20240423

Sua Excelência

o Presidente do Tribunal Constitucional

LISBOA

O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.ºs 1, al. c), e 2, al. g), da Constituição da República Portuguesa, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade de todas as normas constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril, intitulado “Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Madeira”, nos termos e com os fundamentos abaixo explicitados. 

I

Enquadramento

  1. 1.                  No dia 15 de janeiro de 2024, foi admitido na Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira (doravante, a “ALRAM”) um projeto de decreto legislativo regional intitulado “Cria a Comissão para as Comemorações dos 50 anos da Autonomia da Madeira”, cuja autoria pertenceu ao Grupo Parlamentar do PSD Madeira.
  1. 2.                  Na sequência da respetiva tramitação legislativa[1], o mencionado projeto de decreto legislativo regional veio a ser aprovado por unanimidade em votação final global no dia 20 de março de 2024.
  1. 3.                  Tendo sido o decreto da ALRAM enviado para assinatura por parte do Representante da República no dia 8 do corrente, após diligências que se referirão infra, foi o mesmo assinado no transato dia 17, vindo a ser publicado como Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril, intitulado “Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Madeira” (doravante, o “Diploma”), o qual consta do Anexo I ao presente requerimento.
  1. 4.                  Conforme subjaz ao parágrafo antecedente, não foram encontradas quaisquer razões – de jaez constitucional ou político – que, a final, obstassem à assinatura do Diploma, nos termos de cujo objeto se «determina a realização das Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Madeira e cria a estrutura de missão que as promove e organiza» (cfr. artigo 1.º).
  1. 5.                  Ademais, o Representante da República revê-se no teor do Diploma, em particular com o facto de, como se refere no preâmbulo do mesmo, se impor a «Comemoração dos 50 anos da Autonomia, através de uma estrutura que agora se propõe, e que deverá assumir-se como um projeto abrangente e transversal, com o propósito de se assinalar não só a data que reconhece à Região Autónoma da Madeira aquela que foi a maior conquista do povo madeirense, como também reconhecer todos os acontecimentos e intervenientes que contribuíram, ao longo destes 50 anos, para o resultado visível e atual fruto desse ato histórico.»
  1. 6.                  Porém, sem prejuízo de se ter em atenção que o Diploma remete as questões da remuneração da Comissão Executiva e do funcionamento do gabinete de apoio técnico para a sua posterior regulamentação (vide artigos 4.º, n.ºs 3 e 5, e 9.º), é difícil divisar como a concretização de comemorações com a dignidade requerida – integradas num «projeto abrangente e transversal», com o reconhecimento de «todos os acontecimentos e intervenientes que contribuíram, ao longo destes 50 anos» para o processo autonómico –, não acarretará a realização de despesas públicas com impacto orçamental, não só as remuneratórias enunciadas, como as decorrentes da realização de eventos e projetos que se preveem com a dignidade e elevação que a situação exige.
  1. 7.                  Feito este enquadramento, coloca-se a seguinte questão: a aprovação do Diploma pelo legislador regional viola o denominado «dispositivo-travão» previsto no Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, na sua atual versão (doravante, o “EPARAM”)?
  1. 8.                  É nosso entendimento, na sequência dos factos já descritos e pelos argumentos aduzidos infra, que tal pergunta deve ser respondida afirmativamente.

 

II

Da ilegalidade das normas do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril

 

  1. 9.                  No contexto da delimitação da iniciativa legislativa junto da ALRAM, o artigo 45.º, n.º 1, do EPARAM dispõe que «[o]s deputados não podem apresentar projetos de decreto legislativo regional ou propostas de alteração que envolvam aumento das despesas ou diminuição das receitas da Região previstas no Orçamento.»

 

  1. 10.              A nota justificativa do projeto de decreto legislativo regional que está na génese do Diploma refere que o mesmo «não tem impacto no Orçamento da Região Autónoma da Madeira» (vide Anexo II ao presente requerimento).

 

  1. 11.              Também o parecer da 1.ª Comissão Especializada Permanente de Política Geral e Finanças da ALRAM, emitido em sede de discussão e aprovação na especialidade do Diploma, refere que o mesmo «não tem impacto no Orçamento da Região Autónoma da Madeira» (vide Anexo III ao presente requerimento).

 

  1. 12.              Em resposta a ulteriores esclarecimentos solicitados pelo Representante da República à ALRAM, veio este órgão de governo próprio da Região reafirmar que, na tramitação do Diploma, «esteve sempre presente que a mesma não envolve encargos, nomeadamente da sua aprovação e vigência não decorre aumento das despesas e ou diminuição das receitas previstas no Orçamento em vigor» (vide Anexo IV ao presente requerimento).

 

  1. 13.              Tendo em consideração o disposto no Diploma – nomeadamente, a abrangência das comemorações, as referências ao estatuto remuneratório dos membros da Comissão Executiva e o funcionamento de um gabinete de apoio técnico –, a mera verificação de que o expediente legislativo da ALRAM indica que o mesmo «não tem impacto no Orçamento da Região Autónoma da Madeira» não pode ser suficiente para sustentar a ausência de qualquer violação do «dispositivo-travão».

 

  1. 14.              É manifesto que, vivendo a Região no regime de duodécimos, com base no Orçamento do ano 2023, não estão previstas as despesas inerentes à concretização destas comemorações da autonomia, nos termos estabelecidos no Diploma.

 

  1. 15.              De todas as formas, não está em causa neste requerimento indagar do montante das despesas a realizar ou, sequer, se o Governo Regional poderá acomodar as mesmas à execução orçamental em curso, ainda que através da gestão flexível permitida pelas alterações orçamentais da sua competência.

 

  1. 16.              Está, isso sim, em causa averiguar da ilegalidade das normas de um decreto legislativo regional originado por um projeto de decreto legislativo regional apresentado por um grupo parlamentar, cuja concretização manifestamente acarreta um aumento das despesas previstas no orçamento da Região em vigor.

 

  1. 17.              Na prática, admitir que o Diploma, pela circunstância de a sua concretização prática exigir uma ulterior regulamentação por parte do Governo Regional, não contende com o artigo 45.º, n.º 1, do EPARAM, consistiria em esvaziar esta norma do Estatuto Político Administrativo de qualquer sentido útil.

 

  1. 18.              À luz de um tal raciocínio – o de que um diploma carente de regulamentação, por si só, não envolve um aumento das despesas –, o «dispositivo-travão» constituiria um entrave unicamente às iniciativas legislativas por parte dos deputados das quais viessem a resultar imediata, direta e incondicionalmente despesas não previstas no orçamento. Seria, eventualmente, o caso de uma norma que decretasse um aumento salarial dos funcionários da administração pública regional (e isto assumindo ainda que os atos de execução financeira por parte da administração necessários à concretização do aumento salarial não dilapidariam a mencionada natureza imediata, direta e incondicional).

 

  1. 19.              Ao invés, ainda à luz de um tal raciocínio – recorde-se, o de que um diploma carente de regulamentação, por si só, não envolve um aumento das despesas –, o «dispositivo-travão» não constituiria um entrave às iniciativas legislativas por parte dos deputados das quais viessem a resultar despesas não previstas no orçamento, desde que a efetiva realização das mesmas exigisse uma intervenção concretizadora das mesmas por parte da administração. Seria, eventualmente, o caso de uma norma que decretasse a realização de uma obra pública.

 

  1. 20.              Ora, não se vê como a necessidade de intervenção concretizadora por parte da administração – encabeçada, como é sabido, pelo Governo Regional –, pode levar a considerar que, então, um decreto legislativo regional criador de despesa, afinal não o é. Aceitando tal linha argumentativa, a criação da despesa cairia quase sempre – excetuadas as referidas medidas com natureza imediata, direta e incondicional – numa regulamentação ou num ato subsequente ao decreto legislativo regional.

 

  1. 21.              Também não parece valer o argumento de que o Diploma não cria despesas não previstas no orçamento em vigor porque o Governo Regional poderá sempre não executar o mesmo. Se assim fosse, uma vez que compete, em regra, ao Governo Regional executar os decretos legislativos regionais – cfr. artigo 69.º, al. d), do EPARAM –, passaria a caber excecionalmente ao mesmo fazer uma verificação da ilegalidade dos mencionados diplomas.

 

  1. 22.              O derradeiro argumento que sustenta o entendimento de que o Diploma cria despesas não previstas no orçamento em vigor na Região é, de resto, aduzido pela própria ALRAM. Nos já citados esclarecimentos prestados ao Representante da República –reproduzidos no Anexo IV ao presente requerimento, in fine –, é explicitado que a regulamentação do Diploma «só poderá emanar de novo executivo, decorrente de próximas eleições, a laborar num novo quadro orçamental aprovado» (sublinhado nosso). Isto é, a ALRAM assume que o Diploma se destina a enformar um futuro orçamento regional.

 

  1. 23.              Todavia, é no presente, como o orçamento em vigor, que se deve averiguar a ilegalidade do Diploma. Se o legislador regional pretendia protelar os efeitos financeiros das normas constantes do Diploma, sempre poderia ter adotado uma disposição transitória dispondo em tal sentido. Não o tendo feito, violou o «dispositivo-travão» previsto no EPARAM.

 

  1. 24.              Chegados a este ponto, resta definir quais as normas do Diploma feridas de ilegalidade. Ora, como o próprio objeto do Diploma – a determinação da realização das comemorações e a criação da estrutura de missão que as promove e organiza – está no cerne da ilegalidade que se descortina no mesmo, não existem normas cuja ilegalidade, que pelo seu particular impacto financeiro, deva ser aferida autonomamente. É o Diploma, in totum, que viola o referido «dispositivo-travão».

III

Pedido

Nestes termos, requer-se ao Tribunal Constitucional a apreciação e declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade de todas as normas do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2024/M, de 22 de abril, intitulado “Comemorações dos 50 Anos da Autonomia da Madeira”, com fundamento na violação do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, nos termos e com os fundamentos expostos.

                   Queira Vossa Excelência aceitar

                   Funchal, 23 de abril de 2024

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA 

(Ireneu Cabral Barreto) 

Juntam-se quatro anexos, numerados e identificados no requerimento acima.



[1] Os detalhes do expediente legislativo podem ser consultados no sítio da Internet da ALRAM (https://www.alram.pt/pt/artigos/atividade-parlamentar/iniciativa/4yEuL7OMEe6lTgBQVpYAFw/Comemoracoes-dos-50-anos-da-Autonomia-da-Madeira).