Adaptação à Região Autónoma da Madeira o regime constante do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de Julho (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de Julho)

                                                                              Sua Excelência

                                                    o Juiz Conselheiro Presidente do

                                                                  Tribunal Constitucional

 

                                                                                        LISBOA

 

            O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira vem, ao abrigo do disposto no artigo 278.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma constante do artigo 9.º, n.º 1, parte final, do Decreto que lhe foi enviado para assinatura, como Decreto Legislativo Regional, que pretende adaptar à Região Autónoma da Madeira o regime constante do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de Julho (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de Julho), nos termos e com os fundamentos seguintes:

 

I

A Norma Objeto do Pedido

 

  1. O Decreto enviado para assinatura como Decreto Legislativo Regional (doravante, simplesmente “Decreto”) pretende adaptar, à Região Autónoma da Madeira (RAM), o regime constante do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de Julho (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de Julho), que, nos termos do correspondente artigo 1.º, n.º 1, estabelece os princípios orientadores da organização e da gestão dos currículos dos ensinos básico e secundário, da avaliação dos conhecimentos a adquirir e das capacidades a desenvolver pelos alunos e do processo de desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e secundário.
  2. Segundo o legislador da RAM, as revogações operadas por tal diploma governamental e as alterações substantivas que o mesmo promove, justificam uma adaptação à Região Autónoma, concretamente, a respeito do “funcionamento das escolas do 1º ciclo do ensino básico, com ou sem unidades de educação pré-escolar, em regime de tempo inteiro, para além da necessária adaptação de competências aos órgãos desta Região Autónoma” (conforme consta do texto preambular do Decreto), sendo consequentemente revogado o Decreto Legislativo Regional n.º 26/2001/M, de 25 de Agosto (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional n.º 20/2003/M, de 24 de Julho).
  3. O artigo 9.º do Decreto, na parte relevante, dispõe como se segue (os sublinhados são nossos, e destinam-se a melhor identificar o segmento normativo cuja apreciação de constitucionalidade se requer):

 

“Artigo 9.º

Formação pessoal e social dos alunos

 

1-          As escolas, no âmbito da sua autonomia e de acordo com o seu projeto educativo, devem desenvolver atividades que contribuam para a formação pessoal e social dos alunos, designadamente nas áreas da educação para a segurança e prevenção de riscos, convivialidade, educação para a saúde, educação financeira, educação para os media, educação para o consumo, educação para o empreendedorismo e educação moral e religiosa, direitos humanos, cidadania e inclusão, educação ambiental e desenvolvimento sustentável, de oferta obrigatória para as escolas da rede pública e de frequência obrigatória para alunos, salvo declaração expressa em contrário do encarregado de educação.

2-          [...].”

 

  1. A diferença de redação do artigo 9.º do Decreto face à norma que é objeto de adaptação – o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, também epigrafado de “Formação pessoal e social dos alunos” – é, registe-se, notória. Enquanto este último expressamente estabelece a facultatividade de tais atividades, sem referência a qualquer manifestação de vontade[1], já o artigo 9.º do Decreto exige a manifestação de vontade negativa para os encarregados de educação que pretendam que os seus educandos as não frequentem, qualificando mesmo a frequência das atividades em questão como obrigatória, obrigatoriedade essa, porém, apesar de tudo aparente, porque cedente diante de manifestação de vontade no sentido da não frequência.
  2. A este propósito, poderá impor-se uma clarificação. O artigo 9.º do Decreto – como o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 139/2012 – refere-se a “atividades”.

5.1.          De entre estas, as que dizem respeito à educação moral e religiosa poderão ser distintas da efetiva disciplina de “Educação Moral e Religiosa”.

5.2.          Com efeito, no Decreto em apreço, e sem prejuízo do regime constante no artigo 9.º (cfr. supra), a disciplina de “Educação Moral e Religiosa” surge qualificada, no Anexo I, como “de frequência facultativa, nos termos do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de Julho”.

5.3.          De todo o modo, a situação, para o que ora importa, não é fundamentalmente distinta, quer se trate de uma disciplina autónoma, quer se tratasse de um conjunto de atividades de substrato moral e religioso que, embora inseridas numa unidade geral, tivessem a mesma substância que teriam se integradas numa disciplina autónoma.

  1. Na verdade, a parte final do artigo 9.º do Decreto em apreço implica que os encarregados de educação que pretendam que os seus educandos não frequentem tais atividades educativas de natureza moral e religiosa tenham de manifestar essa vontade negativa, em lugar de expressamente afirmarem que o pretendem, quando seja o caso.
  2. Ora, a inclusão da educação moral e religiosa entre tal leque de atividades de imediato suscita questões que já foram, aliás, apreciadas pelo Tribunal Constitucional (TC) no Acórdão n.o 423/87, o que contextualiza o presente requerimento.

 

II

Da inconstitucionalidade da parte final do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto em apreço

 

  1. No seu Acórdão n.º 423/87, de 27 de Outubro, publicado no DR I, n.º 273, de 26 de Novembro, o TC declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, de 5 de Julho, na parte em que a mesma exigia daqueles que não desejam receber o ensino da religião e moral católicas uma declaração expressa em tal sentido, “por violação do disposto nos artigos 168.º, n.º 1, alínea b), e 41.º, n.os 1 e 3, da Constituição” (nesse mesmo aresto foi também declarada a inconstitucionalidade consequente dos n.os 2 e 3 deste mesmo artigo 2.º).
  2. Em suma, o TC entendeu que, ao criar um sistema em que o ensino nas escolas públicas da religião e moral católicas era a regra, tendo os encarregados de educação (ou os próprios alunos, quando maiores de 16 anos) de declarar expressamente que não pretendiam usufruir dessa componente letiva, o Governo fê-lo inconstitucionalmente, em dois sentidos:

9.1.          Em termos orgânicos, porque um tal regime diz respeito a direitos, liberdades e garantias, matéria da reserva relativa da Assembleia da República, sobre a qual o Governo apenas pode legislar quando munido de uma lei de autorização legislativa, o que no caso não acontecia[2].

9.2.          Em termos materiais, porque um tal regime viola o disposto no artigo 41.º, n.os 1 e 3 da CRP. É a este propósito impressiva a seguinte passagem do Acórdão n.º 423/87:

“Na sua formulação actual [[3]], impõe-se o ensino da religião e moral católicas aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, ou eles próprios, se maiores de 16 anos, não declararem expressamente desejo em contrário.

Desta forma impõe-se uma declaração de sentido negativo para aquele ensino não se tornar obrigatório, interpretando-se depois o silêncio, traduzido em inexistência de qualquer manifestação de vontade, como aquiescência ao respectivo recebimento. Através deste dispositivo obriga-se eventualmente como defesa e em protecção das respectivas convicções religiosas, a exteriorização de uma manifestação de vontade, que se desejaria silenciar e manter no domínio da estrita reserva pessoal.

Ora, toda a liberdade de não fazer — no caso em presença, a liberdade negativa de religião — é violada quando se exige e impõe um acto, um facere (a manifestação de uma declaração de vontade), como condição indispensável e necessária à sua usufruição. O exercício dos direitos (direito à religião) poderá eventualmente estar dependente da prática de um qualquer acto (requerimento, declaração, etc.), mas não já o exercício das liberdades, de uma liberdade de não fazer, que consiste justamente em não agir, sendo assim, quanto a estas, de todo inaceitável qualquer exigência material que condicione a sua prática e exercício.

Na maioria das situações, os que produzem tal declaração agirão, por certo, contrafeitos, mas a tal moralmente coagidos pela ameaça da concretização de um evento — o ensino da religião e moral Católicas — que envolveria ou poderia envolver violentação das suas convicções ou opções religiosas.

Tudo isto traduz colisão com o já afirmado princípio da liberdade religiosa, em cujas vertentes específicas se inscreve o direito de escolher livremente a confissão que se pretende professar ou em recusar qualquer confissão e o direito de guardar reserva pessoal sobre tal escolha mantendo-a indevassável no foro íntimo.

E assim sendo, torna-se irrecusável a consequente inconstitucionalidade, por violação do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 41.º da Constituição.”

  1. Esta declaração de inconstitucionalidade conduziu à cautelosa revogação substitutiva, pelo Governo, da Portaria n.º 333/86, de 2 de Julho, pela Portaria n.º 344-A/88, de 31 de Maio (razão pela qual o TC viria a excluir, no Acórdão n.º 174/93, do âmbito das normas a conhecer algumas relativas àquele primeiro diploma regulamentar).
  2. A redação do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto em apreço, cria uma situação normativa idêntica àquela que esteve em apreciação no Acórdão n.º 423/87, e que conduziu à referida declaração de inconstitucionalidade:

11.1.      É certo que esta norma não se refere expressamente à educação moral e religiosa católica, ainda que se possa admitir ser esta última que o legislador regional tem principalmente em conta, desde logo em razão do disposto no artigo 50.º, n.º 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo[4].

11.2.      Considere-se, neste contexto, o Decreto-Lei n.º 70/2013, de 23 de Maio, que “estabelece o regime jurídico da lecionação e da organização da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católicas (EMRC), nos estabelecimentos públicos dos ensinos básico e secundário, nos termos da Concordata celebrada entre a República Portuguesa e a Santa Sé, assinada em 18 de maio de 2004, na Cidade do Vaticano (...)”. Aqui se fixou, muito simplesmente, a natureza facultativa da frequência da disciplina (artigo 4.º, n.º 1), e os termos do exercício do correspondente “direito à lecionação”, através de “declaração de vontade no ato de matrícula” por parte do encarregado de educação, tratando-se de educandos de idade inferior a 16 anos (artigo 5.º, n.º 1).

11.3.      Por outro lado, muito embora o ensino e estudo da religião possam fazer-se numa “perspectiva externa” (designadamente, histórica e filosófica), e pese embora o facto de tal já ser feito em boa parte nestas disciplinas[5], nunca seria este o caso de uma disciplina ou atividades (disciplinares) incluídas no currículo do ensino básico (onde não existem disciplinas específicas dessa natureza).

11.4.      De todo o modo – e este é o aspecto essencial -, a ausência de menção a certa confissão religiosa numa norma como a que se encontra em apreço não tem, para este efeito, qualquer relevo distintivo: pois uma norma que exija daqueles que não desejam receber o ensino da religião e moral católica uma declaração expressa nesse sentido, suscita os mesmos problemas, para este efeito, que uma norma que exija daqueles que não desejam participar em qualquer atividade relacionada com a educação moral e religiosa uma declaração expressa nesse mesmo sentido.

  1. Manter-se-ão, aqui, as razões que levaram o TC a decidir no Acórdão n.º 423/87 pela inconstitucionalidade orgânica? Vejamos:

12.1.      No Acórdão n.º 423/87, o TC decidiu pela inconstitucionalidade orgânica em razão da violação do disposto no atual artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da CRP: por outras palavras, o Governo legislara, em matéria de reserva relativa da Assembleia da República (direitos, liberdades e garantias), sem autorização desta.

12.2.      Como é sabido, as Regiões Autónomas podem hoje legislar sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta: porém, sobre a matéria em causa (direito, liberdades e garantias) não é possível que as Regiões Autónomas sejam autorizadas a legislar (cfr. artigo 227.º, n.º 1, alínea b), da CRP).

12.3.      É nosso entender, portanto, que, por violação do disposto no artigo 165.º, n.º 1, alínea b), e hoje também do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 228.º, n.º 1, da Constituição, o artigo 9.º do Decreto em apreço, no segmento identificado supra, é organicamente inconstitucional.

  1. E verificar-se-ão, mais uma vez, os motivos que conduziram, no Acórdão n.º 423/87, à verificação de inconstitucionalidade material, por violação do disposto no artigo 41.º, n.os 1 e 3, da CRP?

13.1.      As sucessivas revisões da Constituição não alteraram a inviolabilidade da liberdade de consciência, de religião e de culto (cfr. artigo 41.º, n.º 1 da Constituição).

13.2.      Do mesmo modo, mantém a Constituição que “Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder” (cfr. artigo 41.º, n.º 3).

13.3.      É evidente que, sendo a solução normativa contida no artigo 9.º do Decreto em apreço semelhante àquela que foi objecto de um juízo de inconstitucionalidade material por parte do TC no Acórdão n.º 423/87, por violação destas mesmas normas constitucionais (cfr. artigo 41.º, n.os 1 e 3) se mantém atual o respetivo arrazoado subsuntivo.

13.4.      Acentue-se, porém, que, nos termos do artigo 26.º, n.º 3, da Declaração Universal dos Direito do Homem (DUDH), é aos pais que “pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos”. Ora, essa prioridade sairá invertida se, como na norma em apreciação, os poderes públicos assumirem, a priori, uma opção pelos pais (que só pode ser revertida através da declaração negativa que o artigo 9.º do Decreto em apreço exige, com violação do disposto no artigo 41.º. n.os 1 e 3 da CRP).

13.5.      Tal opção corresponde, naturalmente, a uma volição dos próprios poderes públicos, assente – neste caso – pelo legislador regional, no sentido de que aos alunos seja ministrada educação moral ou religiosa (se a volição fosse outra, outra seria a expressão da norma em apreço, desde logo, estabelecendo clara e simplesmente a facultatividade da disciplina ou atividades em questão).

13.6.      Ora, a opção do legislador regional implica que deixe de ser aos pais que pertence a prioridade a que se refere o artigo 26.º, n.º 3, da DUDH. Esta prioridade é uma dimensão fundamental das liberdades contidas no artigo 43.º, n.os 2 e 3, da CRP (respetivamente, liberdade de não ver a educação programada pelo Estado segundo diretrizes religiosas, e liberdade de não confessionalidade do ensino público), que devem ser lidas conformemente à DUDH (cfr. artigo 16.º n.º 2, da CRP) [6].

13.7.      Estas dimensões de liberdade, com especial destaque para o direito a não ser inquirido pelas suas convicções ou prática religiosa, ou seja, “o direito de guardar reserva pessoal sobre tal escolha”, constituem, aliás, pilares civilizacionais em termos de direitos humanos, conforme resulta também do artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e vem sendo sucessivamente afirmado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[7].

13.8.      É nosso entender, portanto, que, por violação do disposto nos artigos 41.º, n.os 1 e 3, e 43.º, n.os 2 e 3, da Constituição, numa leitura destes conforme ao disposto no artigo 26.º, n.º 3, da DUDH, o artigo 9.º do Decreto em apreço, no segmento identificado supra, é materialmente inconstitucional.

 

Nestes termos, requer-se ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade da norma constante do artigo 9.º, n.º 1 (no segmento indicado), do Decreto Legislativo Regional que pretende adaptar à Região Autónoma da Madeira o regime constante do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de Julho (com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 91/2013, de 10 de Julho), nos termos e com os fundamentos expostos.

 

 

            Queira Vossa Excelência aceitar os mais respeitosos cumprimentos,

 

 

            Lisboa, 13 de Agosto de 2014

 

 

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

 

 

(Ireneu Cabral Barreto)

 

* Segue em anexo cópia do Decreto a que se reporta o presente requerimento.



[1] É a seguinte a redação do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 139/2012: “As escolas, no âmbito da sua autonomia, devem desenvolver projetos e atividades que contribuam para a formação pessoal e social dos alunos, designadamente educação cívica, educação para a saúde, educação financeira, educação para os media, educação rodoviária, educação para o consumo, educação para o empreendedorismo e educação moral e religiosa, de frequência facultativa.” (sublinhado nosso).

[2] Como determinava então o artigo 168.º, n.º 1, alínea b), da CRP (hoje, o artigo 165.º, n.º 1, alínea b); veja-se igualmente o disposto no artigo 198.º, n.º 1, alínea b)). O TC utilizou então o argumento de que a disciplina jurídica introduzida pelo Decreto-Lei em causa era inovadora, em apoio da argumentação da violação da reserva de competência legislativa parlamentar. Mas esse argumento não é sequer necessário para sustentar a inconstitucionalidade orgânica em casos como o que estava em análise: pois em qualquer caso há intromissão na reserva parlamentar, e quando a norma não seja inovadora, em qualquer sentido que seja, é o seu carácter de norma jurídica que está em causa. Seja como for, a não ser assim, teria que aceitar-se que o Governo poderia reproduzir, legislativamente, qualquer norma da Constituição, desde que não lhe alterasse o conteúdo (o que, além de outros argumentos, sempre seria um enorme risco em termos sistemáticos).

[3] Refere-se o texto do Acórdão à norma impugnada e contida no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 323/83, segundo a qual: “De acordo com a especial representatividade da população católica do país, ministrar-se-á o ensino da Religião e Moral Católicas nas escolas primárias, preparatórias e secundárias públicas aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizer, não declarem expressamente desejo em contrário”.

[4] O artigo 50.º, n.º 3, da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro, alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro, pela Lei n.º 49/2005, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto), dispõe que “Os planos curriculares dos ensinos básico e secundário integram o ensino da moral e da religião católica, a título facultativo, no respeito dos princípios constitucionais da separação das igrejas e do Estado e da não confessionalidade do ensino público.”. Aliás, seria provavelmente um “solerte exemplo de farisaísmo legislativo” (para usar a expressão do Juiz Conselheiro Vital Moreira, na sua declaração de voto neste mesmo Acórdão) pretender que a norma não tivesse como abrangência essencial a religião católica, apenas devido ao facto de a mesma não ser expressamente mencionada.

[5] Cfr. Miguel Assis Raimundo, “Direito Administrativo da Religião” in Tratado de Direito Administrativo Especial, VI, coord. Paulo Otero / Pedro Gonçalves, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 366 ss.

[6] Também por isso fica mais clara a opção do legislador nacional de expressa e inequivocamente cunhar com a facultatividade tanto as atividades de carácter moral e religioso como a respetiva disciplina (cfr. artigos 15.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 139/2012): pois num Estado em que o ensino público não é confessional, qualquer outra opção que não aquela facultatividade nos termos em que o legislador nacional a estabeleceu vai no sentido, justamente, da confessionalidade, dado que supõe uma pré-opção dos poderes públicos, como no segmento normativo em questão do artigo 9.º do Decreto. Em certo sentido, tal facultatividade é até mais intensamente relevante no caso de “atividades”, que  têm potencialmente uma eficácia doutrinante mais imediata que o ensino escolástico de uma disciplina.

[7] Veja-se a este respeito o emblemático caso SİNAN IŞIK v. TURQUIA, n.º 21924/05, de 2 de Fevereiro de 2010 (o voto vencido do signatário do presente requerimento, enquanto em funções de Juiz no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não se baseou em qualquer discordância quanto a tal abrangência ou significado normativo do artigo 9.º da Convenção, mas noutras razões ligadas ao caso em si, que não cabe neste momento esclarecer).