Determina que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indirecta da Região

Sua Excelência

o Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional

 

O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea g) da Constituição, vem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de ilegalidade da totalidade das normas constantes da Resolução do Governo Regional n.º 905/2013, de 6 de setembro, que “Determina que o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana aos serviços que integram a administração direta e indirecta da Região”, publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira do dia 6 de Setembro de 2013, I série, número 122, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, suportando-se, para tanto, nos fundamentos seguintes:

I

A Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto

 

1. A Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, estabelece a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas.
2. De harmonia com o artigo 1.º desta Lei, esta regula a duração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, alterando, em conformidade:
i) O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas aprovado em anexo à Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 124/2010, de 17 de novembro, e pelas Leis n.os 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 66/2012, de 31 de dezembro;

ii) O Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de agosto, que estabelece as regras e os princípios gerais em matéria de duração e horário na Administração Pública, alterado pelo Decreto-Lei n.º 169/2006, de 17 de agosto, e pelas Leis n.ºs 64-A/2008, de 31 de dezembro, e 66/2012, de 31 de Dezembro;

iii) A Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprova o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado alterada pelas Leis n.ºs 51/2005, de 30 de agosto, 64-A/2008, de 31 de dezembro, 3-B/2010, de 28 de abril, e 64/2011, de 22 de dezembro;

iv) A Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, alterada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, pelo Decreto-Lei n.º 124/2010, de 17 de novembro, e pelas Leis n.ºs 64 B/2011, de 30 de dezembro, e 66/2012, de 31 de dezembro.

3. O artigo 2.º da Lei dispõe da seguinte forma:
“Artigo 2.º

Período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas

1 – O período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas é de oito horas por dia e quarenta horas por semana.

2 – Os horários específicos devem ser adaptados ao período normal de trabalho de referência referido no número anterior.

3 – O disposto no n.º 1 não prejudica a existência de períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio.”

4. Assim, e nos termos do supra-mencionado artigo 2.º, n.º 1, o período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas passou a ser de oito horas por dia e quarenta horas por semana.
5. Sem prejuízo do período normal de trabalho fixado no n.º 1 do artigo 2.º - oito horas por dia e quarenta horas por semana - a Lei prevê, no n.º 3 do mesmo artigo 2.º, que possam existir períodos normais de trabalho superiores, previstos em diploma próprio.
6. A aprovação desta lei visou ampliar e uniformizar o horário de trabalho para todos os trabalhadores que exercem funções públicas.
7. Com efeito, e de harmonia com o preâmbulo da Proposta de Lei que veio a dar origem à Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, com o novo regime de duração do período normal de trabalho o Estado pretendeu prosseguir “dois eixos de acção prioritários”:
i. Estabelecer a aplicação de um mesmo período normal de trabalho a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da sua modalidade de emprego e da carreira em que se encontrem inseridos, permitindo, assim, corrigir, entre outros, os casos de flagrante injustiça e desigualdade em que trabalhadores que exercem as mesmas funções no mesmo local de trabalho se encontrem sujeitos a diferentes regimes de horário de trabalho;

ii. Alcançar uma maior convergência entre os sectores público e privado, passando os trabalhadores do primeiro a estar sujeitos ao período normal de trabalho que há muito vem sendo praticado no segundo.

8. A estes “eixos prioritários” o preâmbulo da proposta de lei associou um outro: externalizar positivamente o novo regime de horário de trabalho na vida dos cidadãos, fazendo reflectir o aumento de 5 horas do período normal de trabalho no alargamento do número de horas de atendimento semanal dos serviços públicos, dispondo, assim, os cidadãos de mais tempo para os utilizar e da possibilidade de melhor organizarem as suas vidas e o seu tempo.
9. Estes objetivos não são específicos do território continental compreendendo-se assim que o legislador nacional queira que valham para todo o território nacional.
10. É justamente a natureza e âmbito nacional dos objectivos prosseguidos que justificam, na perspectiva do legislador, a inexistência de qualquer salvaguarda expressa à possibilidade de definir regimes de horários diferentes (como a manutenção de 35 horas semanais), atendendo, por exemplo, às necessidades funcionais dos serviços ou outros equivalentes.
11. Esta lei procurou, assim, concretizar aquilo que a doutrina designa como “tendências mais recentes (…) no sentido da aproximação do regime dos funcionários e agentes das entidades públicas ao regime dos trabalhadores de entidades privadas.”[1]
12. Como é assinalado de forma idêntica pela mesma doutrina, esta aproximação está “patente no uso do termo “trabalhadores da Administração Pública”” nos n.ºs 1 e 2 do artigo 269.º da Constituição de forma equivalente ao termo “trabalhadores” utilizado no artigo 59.º da Constituição.[2]
13. É que, na verdade, ao Estado incumbe, nos termos do artigo 59.º, n.º 2 da Constituição, relativamente a todos os trabalhadores – quer sejam da Administração Pública quer actuem no sector privado – assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente “a fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho” (cfr. alínea b)).
14. Como igualmente foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 474/02, o artigo 59.º da Constituição “tem como destinatários todos os trabalhadores, abrangendo, também, obviamente, os trabalhadores da Administração Pública.”
15. Está em causa, por conseguinte, a definição a nível nacional dos limites da duração do trabalho.
16. Justifica-se, assim, que a proposta de lei n.º 153/XII/2.ª – que deu origem à Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto - refira no preâmbulo que, “atenta a matéria, no âmbito do processo legislativo a decorrer na Assembleia da República devem ser ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas” o que veio efectivamente a suceder, tendo sido ouvidos, no caso da Região Autónoma da Madeira, a Assembleia Legislativa e o Governo Regional.[3]
17. Consequentemente, pode afirmar-se que a Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, tem um âmbito de aplicação nacional.
18. O âmbito de aplicação nacional, que envolve a fixação dos limites da duração do trabalho e justifica a intervenção dos órgãos de soberania, foi, aliás, reconhecido no passado pelo Tribunal Constitucional quando afirmou, no Acórdão n.º 212/92, o seguinte:
“Aliás, no particular domínio da matéria em causa, resulta do disposto no artigo 59.º, n.º 2, alínea b), da Constituição, que incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente «a fixação a nível nacional, dos limites da duração do trabalho».

Independentemente da questão de saber se todos os direitos dos trabalhadores reconhecidos naquele preceito (sejam dirigidos contra as entidades patronais, sejam dirigidos ao Estado) dispõem de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (e a resposta haveria de ser certamente negativa), deve dizer-se que a fixação dos limites da duração do trabalho, no caso, a fixação das condições de prestação e dos limites quantitativos da duração do trabalho suplementar (e estas duas realidades interpenetram-se entre si), há-de pertencer aos órgãos da República.” (sublinhado nosso)

19. Não pode, desta forma, considerar-se que está em causa matéria de interesse específico ou, na decorrência da revisão constitucional de 2004, de âmbito regional.
20. Na verdade, o conceito de “interesse específico” ou de “âmbito regional” não pode ser entendido apenas como um conceito estático alheio, na sua predefinição, às circunstâncias do tempo.
21. Há matérias que, em dadas circunstâncias, podem assumir relevância nacional em vista de exigências de igualdade, solidariedade e unidade entre todos os portugueses, legitimando medidas de caráter geral imperativamente válidas para todo o território nacional.
22. É nesta linha que se pode ler, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 613/2011, que “não obstante o desaparecimento das leis gerais da república como categoria geral, não é sustentável – à luz dos fundamentos, finalidades e limites da autonomia regional enunciados nomeadamente no artigo 225.º da actual Constituição – a ideia de que nunca, e em circunstância alguma, possa haver medidas legislativas que muito embora não estejam textualmente no domínio da reserva de competência da Assembleia da República sejam, por motivos de relevante interesse nacional, tomadas imperativamente para todo o território nacional”. E depois se conclui: “Nesse sentido, o legislador poderá estabelecer medidas (…) a vigorar imperativa e soberanamente para todo o território nacional, em vista da sua mais lograda eficácia, segundo princípios de “solidariedade” e de “unidade” (artigo 225.º, n.ºs 2 e 3, e artigo 6.º, ambos da Constituição).”

23. Com efeito, as autonomias político-administrativas regionais devem ser respeitadas sem prejuízo da soberania e unidade solidária do Estado português.
24. Sublinhe-se que, em matérias estruturantes ao nível da reforma do Estado e do regime da função pública, a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem sido clara em assumir um conceito de “princípio fundamental” aplicável aos funcionários do Estado, para efeitos do artigo 79.º, n.º 2, do EPARAM, que faz ligar este conceito à vontade histórica do legislador parlamentar nacional.
25. É o que resulta, por exemplo, do Acórdão n.º 256/2010 quando se afirma da seguinte forma: “Pode, pois, extrair-se do regime transitório estabelecido na Lei n.º 12-A/2008, no tocante à manutenção e conversão da relação jurídica de emprego, que o legislador ordinário estabeleceu para os funcionários do Estado, como princípio fundamental, o da transição imediata para a modalidade regra de contrato por tempo indeterminado, sem qualquer possibilidade de opção por parte deles”.
26. Compreende-se que assim seja: em matéria de reforma do Estado, as opções políticas do legislador parlamentar nacional, em vista da melhor prossecução do interesse público, devem permitir-lhe concretizar uma ponderação que tenha em consideração as especiais circunstâncias económicas, financeiras e sociais.
27. A tudo isto acresce que a definição do período normal de trabalho, correspondendo à definição geral de um elemento essencial da prestação de trabalho na função pública, não pode deixar de integrar o conceito de “bases do regime e âmbito da função pública”, a que se refere o artigo 165.º, alínea t) da Constituição, estando pois no âmbito da competência reservada da Assembleia da República.
28. É à luz de todo o entendimento exposto que se justifica que a Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, não delimite o seu espaço territorial de aplicação nem preveja a possibilidade de ser adaptada pelas Regiões Autónomas.
29. Nesta decorrência compreende-se que o regime resultante da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, tenha prevalência sobre quaisquer outros.
30. Motivo pelo qual o artigo 10.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, determina que o disposto no artigo 2.º daquela lei – que, recorde-se, define o período normal de trabalho - tem natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.


II

A RESOLUÇÃO N.º 905/2013, DE 6 DE SETEMBRO

31. Recentemente foi aprovada, pelo Governo Regional da Madeira, a Resolução n.º 905/2013, de 6 de Setembro, que tem o seguinte teor:
“As alterações aprovadas pela Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, em matéria de duração do horário de trabalho dos trabalhadores em funções públicas, introduziram o alargamento dos períodos de trabalho daqueles profissionais, independentemente dos serviços em causa, alicerçando-se na convergência entre os regimes de trabalho público e privado. Não obstante tal convergência, vem agravar as condições de trabalho que pesam naturalmente em desfavor da conciliação da atividade profissional com a vida familiar e pessoal. A este agravamento, acresce o atual quadro jurídico em vigor para o funcionalismo público desde o ano de 2011, marcado pela diminuição de remunerações, pela proibição do seu aumento, e pelas interrupções de evolução na carreira. O alargamento do horário de trabalho da função pública, instituído pela referida Lei, é introduzido de forma transversal, sem justificação de especificidades ou particularismos de serviços e sem qualquer contrapartida pela prestação desse trabalho.

Neste contexto, já a Região Autónoma da Madeira se pronunciara, em sede própria, por um sentido negativo relativamente à introdução de tal regime, por o julgar desinserido de razões que o fundamentem e justifiquem, corroendo a confiança jurídica e desgastando situações profissionais de pessoas que são, afinal, cada uma e no seu conjunto, a base da sociedade que temos e da que queremos ter, na visão personalista que é Doutrina do Governo Regional da Madeira.

Nessa conformidade, considerando que, nos termos do artigo 55.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, o Governo Regional é o órgão superior da Administração Pública regional;

Considerando a análise do impacto da referida lei nos serviços dependentes da administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira, sem violar a Lei em referência concluiu-se que no momento presente não se justifica o prolongamento do horário de trabalho nos serviços da Administração Pública regional, pois esse fato não iria aumentar a produtividade dos serviços públicos regionais, não contribuindo sequer para um aumento da sua eficácia e eficiência, nem melhorar o desempenho dos respetivos trabalhadores;

O Conselho de Governo reunido em plenário em 5 de setembro de 2013, resolveu determinar o seguinte:

1. Nos serviços que integram a administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira, o período normal de trabalho tem a duração máxima de 8 horas por dia e de 40 horas por semana, não podendo ser inferior a 7 horas por dia e 35 horas por semana.

2. Os trabalhadores em funções públicas nos serviços referidos no n.º anterior ficam genericamente dispensados do cumprimento das 40 horas semanais, até deliberação em contrário, devendo os respetivos serviços proceder ao registo mensal das horas não efetuadas por cada trabalhador até ao limite máximo referido no n.º anterior.

3. As horas não efetuadas por cada trabalhador são creditadas a favor dos respetivos serviços públicos, para serem realizadas sempre e quando as necessidades laborais o justifiquem e mediante determinação superior, sem prejuízo dos limites legais em vigor sobre a matéria.

4. Nos casos a que se refere a parte final do n.º anterior, designadamente por motivo de força maior ou de urgência, o dirigente máximo do serviço pode determinar a prestação de trabalho até ao limite de 8 horas diárias e 40 semanais, e notificar o trabalhador com a antecedência possível.

5. O trabalho prestado até às 8 horas diárias e 40 semanais, nos termos da Lei em vigor é para todos os efeitos considerado como incluído no período normal de trabalho, e em caso algum pode ser considerado como trabalho suplementar ou extraordinário.

6. O limite mínimo do período normal de trabalho referido no n.º 1, não prejudica a aplicação de regimes legalmente previstos que determinem ou admitam a redução do período normal de trabalho, designadamente no caso de jornada contínua.

7. A redução referida no número anterior incide sobre o período normal de trabalho concretamente aplicado no serviço, setor, unidade orgânica ou posto de trabalho em que se insere o trabalhador.

8. A duração semanal do trabalho nos serviços integrados na área específica da saúde, será objeto de despacho do Secretário Regional dos Assuntos Sociais.”

32. Trata-se de um acto do Governo Regional que, revestindo a forma de Resolução, tem materialmente conteúdo normativo.
33. Face ao conteúdo da Resolução transcrito resulta a seguinte interpretação:
a. A Resolução fixa a duração máxima do número de horas de trabalho por dia e por semana, estabelecendo, simultaneamente, que as horas de trabalho não podem ser inferiores a 7 horas por dia e 35 horas por semana (cfr. n.º 1 da Resolução n.º 905/2013);
b. A Resolução determina que os trabalhadores em funções públicas ficam genericamente dispensados do cumprimento do total de 40 horas semanais (cfr. n.º 2 da Resolução n.º 905/2013);
c. A Resolução estabelece que o dirigente máximo do serviço pode, designadamente por motivo de força maior ou de urgência, determinar a prestação de trabalho até ao limite de 8 horas diárias e 40 semanais (cfr. n.º 4 da Resolução n.º 905/2013), o que permite concluir a duração do período normal de tempo de trabalho fixada pela Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto – 8 horas diárias e 40 semanais – passou a ser, de harmonia com o texto da Resolução, extraordinária, deixando assim de corresponder à duração do período normal de trabalho relativamente ao universo de trabalhadores abrangidos pela Resolução;
d. O preâmbulo da Resolução sublinha, aliás, que “nos serviços dependentes da administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira (…) não se justifica o prolongamento do horário de trabalho nos serviços da Administração Pública regional” pretendendo, desta forma, sublinhar que, através da Resolução, se pretende criar um horário de trabalho aplicável àqueles serviços claramente distinto daquele que decorre da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto;
e. Resulta da Resolução n.º 905/2013 que o período normal de trabalho para as entidades públicas abrangidas pela Resolução passa a ser de 7 horas diárias e de 35 horas semanais e não de 8 horas diárias e 40 horas semanais como consta da Lei nº 68/2013, de 29 de agosto;
f. O que equivale a dizer, por outras palavras, que o suposto limite mínimo previsto no n.º 1 da Resolução – 7 horas diárias e 35 horas semanais - corresponde, afinal, ao período normal de trabalho;
34. É legítimo concluir que, face ao regime criado pela Resolução n.º 905/2013, os trabalhadores em funções públicas residentes na Região Autónoma da Madeira estarão sujeitos a dois tipos de horários de trabalho:
i. Os trabalhadores que integram a administração direta e indireta da Região Autónoma da Madeira devem cumprir um horário de trabalho equivalente a 7 horas por dia e 35 horas por semana, nos termos resultantes da Resolução n.º 905/2013;

ii. Os trabalhadores que não integram a administração direta e indirecta da Região Autónoma da Madeira – verbi gratia os que fazem parte dos serviços do Estado localizados na Região ou da administração autárquica - devem cumprir um horário de trabalho equivalente a 8 horas diárias e 40 horas semanais, nos termos previstos na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto;

35. Face ao exposto, mister é concluir que a Resolução em apreço visa derrogar o regime previsto na Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, porquanto afasta o disposto no artigo 2.º daquela lei, ao criar um regime especial de horário de trabalho – 7 horas por dia e 35 horas por semana - aplicável especificamente na Região Autónoma da Madeira a um universo restrito de trabalhadores.
36. O conteúdo normativo da Resolução implica, consequentemente, que esta pretenda ter um alcance derrogatório relativamente à Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto.
37. Porém o artigo 2.º da Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto, tem, como foi assinalado, natureza imperativa e prevalece sobre quaisquer leis especiais e instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

III

DA ILEGALIDADE DA RESOLUÇÃO N.º 905/2013, DE 6 DE SETEMBRO

 

38. Ao pretender derrogar, através da Resolução n.º 905/2013, de 6 de Setembro, uma Lei da Assembleia da República – a Lei n.º 68/2013, de 29 de agosto -, o Governo Regional da Madeira está a exercer um poder - legislativo ou regulamentar – que, no caso concreto, não lhe é conferido pelo Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
39. Com efeito, o Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira consagrou uma arquitectura do poder autonómico que, na esteira do previsto no quadro constitucional – e, em particular, do disposto nos artigos 227.º, n.º 1, alíneas a) e d) e do n.º 1 do artigo 232.º - prevê que o Governo Regional tenha competência administrativa – nomeadamente para elaborar os decretos regulamentares regionais necessários à execução dos decretos legislativos e ao bom funcionamento da administração da Região, bem como outros regulamentos, nomeadamente portarias (cfr. artigo 69.º, alínea d)) - mas já não competência legislativa.
40. O referido Estatuto Político-Administrativo densifica o quadro de distribuição de competências entre os órgãos de governo próprio da Região.
41. Assim, o artigo 69.º procede à definição das competências do Governo Regional da Madeira através de um extenso elenco disposto no referido preceito.
42. Percorridas as competências estatutariamente conferidas ao Governo Regional da Madeira não se vislumbra nenhuma que permita a este órgão editar a Resolução n.º 905/2013 com os termos substantivos pretendidos.
43. Na verdade, não pode o Governo Regional da Madeira aprovar resoluções com conteúdo normativo sobre matérias relativamente às quais não dispõe de competências atribuídas nem pela Constituição, nem pelo Estatuto Político-Administrativo.
44. De forma diversa, a Constituição determina que a competência normativa referentes às leis gerais emanadas dos órgãos de soberania é exercida, nas Regiões Autónomas, pelas respectivas Assembleias Legislativas como resulta, actualmente, do n.º 1 do artigo 232.º e é, consequentemente, reafirmado nos artigos 37.º e 39.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
45. Pode, por isso, concluir-se que a Resolução n.º 905/2013 tem conteúdo normativo para cujo exercício, independentemente da sua natureza – legislativa ou regulamentar – o Governo Regional da Madeira não dispõe de competência.
46. Consequentemente, a Resolução n.º 905/2013, aprovada pelo Governo Regional da Madeira enferma do vício de ilegalidade, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político Administrativo da Madeira.
Nestes termos, pede-se que o Tribunal Constitucional declare a ilegalidade, com força obrigatória geral, da Resolução do Governo Regional da Madeira n.º 905/2013, de 6 de setembro, por violação dos artigos 37.º, 39.º e 69.º do Estatuto Político Administrativo da Madeira.

Queira Vossa Excelência aceitar

Funchal, 01 de outubro de 2013

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

 

(Ireneu Cabral Barreto)