Aprova normas para a proteção dos cidadãos e medidas para a redução da oferta de “drogas legais”

Sua Excelência

o Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional

 

            O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do disposto nos artigos 278.º, n.ºs 2 e 3 da Constituição, 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção em vigor, vem requerer ao Tribunal Constitucional a apreciação preventiva da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1.º; 2.º; 3.º;7.º, n.ºs 1 e 2, 10.º e 11.º, n.º 1, alínea b) dodecreto que “Aprova normas para a proteção dos cidadãos e medidas para a redução da oferta de “drogas legais”, aprovado pela Assembleia Legislativa em sessão plenária de 31 de Julhodo ano em curso e recebido no seu Gabinete, para os efeitos previstos no artigo 233.º da Constituição, no dia 2do presente mês de Agosto, suportando-se para tanto nos fundamentos seguintes:

I – Enquadramento normativo da matéria a sindicar

1.º

A Lei n.º 13/2012, de 26 de Março, procedeu à décima nona alteração ao Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que define o regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, com o aditamento à tabela II-A de substâncias proibidas da mefedrona e tapentadol.

2.º

O Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro foi aprovado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 27/92, de 31 de Agosto, a qual, por seu turno, foi aprovada ao abrigo dos artigos 164.º, alínea d); 168.º, n.º 1, alíneas b), d) e q) e 169.º, n.º 3 da CRP.

3.º

O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua redação atual[1], tem como objecto a definição do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas (artigo 1.º), sendo usualmente conhecido este diploma como “Lei da Droga”.

4.º

O regime estabelecido é relativamente complexo, dada a heterogeneidade das situações que abrange. Com efeito, ficam sujeitas a condicionamentos de vária ordem as actividades de cultivo, produção, fabrico, emprego, comércio, distribuição, importação, exportação, trânsito, transporte, a detenção por qualquer tipo e o uso das plantas, substâncias e preparações que constam das seis tabelas anexas ao diploma (artigo 2.º, n.º 4).

5.º

Como determinado nos números 2 e 3 do artigo 2.º do diploma, as tabelas I a IV serão obrigatoriamente atualizadas, de acordo com as alterações aprovadas pelos órgãos próprios das Nações Unidas, segundo as regras previstas nas convenções ratificadas por Portugal; as tabelas V e VI serão obrigatoriamente atualizadas, de acordo com as alterações aprovadas por órgãos próprios das Nações Unidas, segundo as regras previstas nas convenções ratificadas por Portugal ou por diploma da União Europeia.

6.º

Deverá aqui ter-se presente o enquadramento da matéria de estupefacientes e substâncias psicotrópicas nos instrumentos convencionais internacionais adotados no âmbito da Organização das Nações Unidas.

7.º

Assim, a Convenção Única de 1961 sobre Estupefacientes, concluída em Nova Iorque em 31 de Março de 1961 e aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70 de 12 de Setembro; também a Convenção de 1971 sobre as Substâncias Psicotrópicas (adotada na Conferência das Nações Unidas que teve lugar em Viena, de 11 de Janeiro a 21 de Fevereiro de 1971); por último a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, ratificada por Portugal (Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, ambos de 6 de Setembro).

8.º

Merecem também referência, no âmbito da União Europeia, a DECISÃO-QUADRO n.º 2004/757/JAI do CONSELHO, de 25 de Outubro de 2004 (publicada no Jornal Oficial da União Europeia, de 11 de Novembro de 2004), que adota regras mínimas quanto aos elementos constitutivos das infracções penais e às sanções aplicáveis no domínio do tráfico ilícito de droga, com vista à harmonização das legislações nacionais, tomando como referência para informar o conceito de “droga” as definições constantes das citadas Convenções de 1961 e de 1971; e a DECISÃO n.º 2005/387/JAI DO CONSELHO, de 10 de Maio de 2005, relativa ao intercâmbio de informações, avaliação de riscos e controlo de novas substâncias psicoactivas.

 

9.º

Recentemente, o Conselho de Ministros de Justiça e Assuntos Internos, reunido nos dias 27 e 28 de Outubro de 2011 no Luxemburgo, aprovou o designado Pacto Europeu contra as Drogas Sintéticas, onde se propõe que os Estados­‑Membros e as instituições e organismos pertinentes da UE unam os seus esforços para combater a produção e o tráfico de drogas sintéticas, bem como o contrabando de substâncias que possam ser utilizadas para a produção de drogas sintéticas, os chamados precursores. Este Pacto complementa o «Pacto Europeu de luta contra o tráfico internacional de droga – Destruir as rotas da cocaína e da heroína», adotado em 2010.

 

10.º

O capítulo II do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, estabelece o regime de controlo prévio (autorizações, licenciamentos) e sucessivo (fiscalização) das atividades atrás enunciadas, relevando, quando concerne às substâncias e preparações previstas nas tabelas I a IV, interesses de ordem médica, médico-veterinária, científica e didática.

11.º

O capítulo seguinte do diploma (“Capítulo III – Tráfico, branqueamento e outras infracções“) dirige-se às situações de incumprimento ou desrespeito dos condicionamentos estabelecidos, a nível legal ou administrativo, assumindo uma natureza sancionatória, eminentemente penal, como se ilustra com a leitura dos seguintes preceitos selecionados da lei sempre citada, na sua atual redação, sublinhando-se alguns dos seus segmentos:

Artigo 21.º

Tráfico e outras actividades ilícitas

1 – Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

2 – Quem, agindo em contrário de autorização concedida nos termos do capítulo II, ilicitamente ceder, introduzir ou diligenciar por que outrem introduza no comércio plantas, substâncias ou preparações referidas no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.

3 – Na pena prevista no número anterior incorre aquele que cultivar plantas, produzir ou fabricar substâncias ou preparações diversas das que constam do título de autorização.

4 – Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é a de prisão de um a cinco anos.

Artigo 22.º

Precursores

1 – Quem, sem se encontrar autorizado, fabricar, importar, exportar, transportar ou distribuir equipamento, materiais ou substâncias inscritas nas tabelas V e VI, sabendo que são ou vão ser utilizados no cultivo, produção ou fabrico ilícitos de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é punido com pena de prisão de 2 a 10 anos.

2 – Quem, sem se encontrar autorizado, detiver, a qualquer título, equipamento, materiais ou substâncias inscritas nas tabelas V e VI, sabendo que são ou vão ser utilizados no cultivo, produção ou fabrico ilícitos de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

3 – Quando o agente seja titular de autorização nos termos do capítulo II, é punido:

•a)      No caso do n.º 1, com pena de prisão de 3 a 12 anos;

•b)      No caso do n.º 2, com pena de prisão de dois a oito anos.

Artigo26.º

Traficante-consumidor

1 – Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.

2 – A tentativa é punível.

3 – Não é aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias.

Artigo 29.º

Incitamento ao uso de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas

1 – Quem induzir, incitar ou instigar outra pessoa, em público ou em privado, ou por qualquer modo facilitar o uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - Se se tratar de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.

3 – Os limites mínimo e máximo das penas são aumentados de um terço se:

a) Os factos foram praticados em prejuízo de menor, diminuído psíquico ou de pessoa que se encontrava ao cuidado do agente do crime para tratamento, educação, instrução, vigilância ou guarda;

b) Ocorreu alguma das circunstâncias previstas nas alíneas d), e) ou h) do artigo 24.º

Artigo 30.º

Tráfico e consumo em lugares públicos ou de reunião

1 – Quem, sendo proprietário, gerente, director ou, por qualquer título, explorar hotel, restaurante, café, taberna, clube, casa ou recinto de reunião, de espectáculo ou de diversão, consentir que esse lugar seja utilizado para o tráfico ou uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão de um a oito anos.

2 – Quem, tendo ao seu dispor edifício, recinto vedado ou veículo, consentir que seja habitualmente utilizado para o tráfico ou uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

3 – Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, aquele que, após a notificação a que se refere o número seguinte, não tomar as medidas adequadas para evitar que os lugares neles mencionados sejam utilizados para o tráfico ou o uso ilícito de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até cinco anos.

4 – O disposto no número anterior só é aplicável após duas apreensões de plantas, substâncias ou preparações incluídas nas tabelas I a IV, realizadas por autoridade judiciária ou por órgão de polícia criminal, devidamente notificadas ao agente referido nos n.os 1 e 2, e não mediando entre elas período superior a um ano, ainda que sem identificação dos detentores.

5 - Verificadas as condições referidas nos n.os 3 e 4, a autoridade competente para a investigação dá conhecimento dos factos à autoridade administrativa que concedeu a autorização de abertura do estabelecimento, que decide sobre o encerramento.

Artigo 35.º

Perda de objectos

1 – São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.

2 – As plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.

3 – O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.

Artigo 36.º

Perda de coisas ou direitos relacionados com o facto

1 – Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 – São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.

3 – O disposto nos números anteriores aplica-se aos direitos, objectos ou vantagens obtidos mediante transacção ou troca com os direitos, objectos ou vantagens directamente conseguidos por meio da infracção.

4 – Se a recompensa, os direitos, objectos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor.

5 – Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna.

Artigo 37.º

Bens transformados, convertidos ou misturados

1 – Se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens a que se refere o artigo anterior tiverem sido transformados ou convertidos em outros bens, são estes perdidos a favor do Estado em substituição daqueles.

2 – Se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens a que se refere o artigo anterior tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, são estes perdidos a favor do Estado até ao valor estimado daqueles que foram misturados.

Artigo 38.º

Lucros e outros benefícios

O disposto nos artigos 35.º a 37.º é também aplicável aos juros, lucros e outros benefícios obtidos com os bens neles referidos.

12.º

Ao nível nacional, e por opção legislativa tomada na Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, foi descriminalizado o consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tendo sido então determinado, no seu artigo 2.º, n.º 1, que o consumo, a aquisição e a detenção para consumo próprio de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas referidas no artigo anterior [as tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro] constituem contra-ordenação.

II – O Direito a constituir

13.º

Nas considerações preambulares do diploma em apreço aduz-se que, através da aprovação do diploma, “pretende‑se implantar na Região um regime contra‑ordenacional de proibição genérica de qualquer substância psicoativa, que não possua regime próprio, sem prejuízo do quadro penal adequado que venha a ser aprovado na Assembleia da República.”

 

14.º

A mesma fonte adianta que o objectivo é criar “um regime de ilícito de mera ordenação social para assegurar a proteção dos cidadãos e para a redução da oferta das denominadas «drogas legais»”, representando “uma medida de carácter administrativo, com o objectivo de proibir a disponibilização de produtos não integrados nas tabelas previstas no (…) Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ou noutra legislação específica sobre esta matéria, que escapam ao controlo das entidades judiciais.”

 

15.º

A opção legislativa é justificada por duas ordens de razões: a primeira prende-se com a alegada ineficácia dos diplomas que definem o regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, já que a alteração ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, operada pela Lei n.º 13/2012, de 26 de Março (aditamento à tabela II-A das substâncias proibidas da mefedrona e da tapentadol), não terá constituído “uma solução eficaz para o problema gerado pelas chamadas «smart shops», as quais mantêm a sua actividade comercial, com substâncias psiocoativas, as conhecidas «drogas legais», que não se enquadram nas tabelas de substâncias proibidas“; a segunda, com aquela relacionada, funda-se no “entendimento (…) unânime quanto aos danos irreversíveis para a saúde física e mental do indivíduo e, consequentemente para a saúde pública, identificando-se danos ao nível do sistema nervoso central, designadamente, o aparecimento de indivíduos com «Perturbações Psicóticas Induzidas por Substância», caraterizados por alucinações e delírios de vária ordem, dependência ou alterações significativas da função motora.”

 

16.º

O diploma em apreciação dispõe o seguinte:

Artigo 1º

Objecto

O presente diploma institui a proibição de venda ou disponibilização por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria.

 

Artigo 2º

Âmbito

Estão abrangidas todas as substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação específica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias.

Artigo 3º

Infrator

Quem anunciar ou publicitar, vender ou ceder por qualquer forma, substâncias psicoativas consideradas no presente diploma, fica sujeito à aplicação de uma contraordenação.

Artigo 4º

Ações de prevenção

Os serviços governamentais competentes na área da educação e da prevenção da toxicodependência devem promover ações de prevenção e informação de forma concertada, por forma a abranger o máximo da população escolar e a comunidade em geral.

Artigo 5º

Entidades competentes

1 – Os serviços de fiscalização municipal e a Inspeção Regional de Atividades Económicas, doravante designada IRAE, devem atuar no sentido de fazer cumprir o disposto no presente diploma.

2 – As situações de assistência em qualquer unidade de saúde na Região Autónoma da Madeira devem ser comunicadas à Autoridade de Saúde Pública para posterior comunicação à IRAE, a qual deve atuar no sentido de aplicar este diploma.

 

 

Artigo 6º

Controlo prévio

Em caso de suspeita razoável da perigosidade de um produto para a saúde do indivíduo, a IRAE deve mandar retirar o produto para análise e pode ordenar a suspensão da atividade comercial por um período necessário até esclarecimento da situação, para remover a ameaça.

Artigo 7º

Proibição de atividade e encerramento de espaços comerciais

1 – É proibida toda a atividade comercial associada à produção e comercialização das substâncias consideradas no presente diploma.

2 – A IRAE deve intervir de imediato e proceder ao encerramento de todos os espaços onde sejam disponibilizadas estas substâncias.

3 – Caso o espaço inclua a venda de outros produtos não enquadráveis neste diploma, mantém-se em funcionamento, sem prejuízo de encerramento temporário por um período máximo de 3 meses, caso se comprove ser necessário para remover a ameaça.

Artigo 8º

Responsabilidade das pessoas colectivas ou equiparada

1 – As coimas previstas no presente diploma aplicam-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas e associações sem personalidade jurídica.

2 – As pessoas colectivas ou equiparadas serão responsáveis pelas contra-ordenações praticadas pelos seus órgãos no exercício das suas funções.

Artigo 9º

Determinação da medida da coima

1 – A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da localização do espaço onde se desenrola a atividade, do impacto no meio social envolvente, dos prejuízos provocados na saúde do indivíduo e do benefício económico que o infrator retirou da prática da contra-ordenação.

2 – Se o agente retirou da infração um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode a coima elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido.

3 – Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade. 

Artigo 10º

Contra-ordenações

1 – As infrações ao disposto no presente diploma constituem contra-ordenações puníveis, no caso das pessoas singulares, com coimas no valor mínimo de (euro) 750 e máximo de (euro) 3.700 e no caso das pessoas colectivas, no valor mínimo de (euro) 5.000 e máximo de (euro) 44 000.

3 – A tentativa e a negligência são puníveis.

Artigo 11º

Sanções acessórias

1 – Cumulativamente com a coima prevista no artigo anterior e nos termos da lei, podem ser aplicadas as seguintes sanções acessórias:

a)  Perda a favor da Região Autónoma da Madeira dos objetos pertencentes ao agente e que estejam na origem da infracção ou estavam destinados a servir para a prática de uma contra-ordenação, ou por esta foram produzidos;

b)  Interdição do exercício da profissão ou da actividade;

c)  Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos;

d)  Privação do direito de participação ou arrematação a concursos públicos promovido por entidades ou serviços públicos, de fornecimento de bens e serviços, ou de concessão de serviços, licenças ou alvarás;

e)  Suspensão de autorizações, licenças e alvarás.

2 – As sanções referidas nas alíneas b) a e) do número anterior têm a duração máxima de dois anos, contados a partir da decisão condenatória definitiva.

3 – O carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão de perda determina a transferência da propriedade para a Região Autónoma da Madeira.

Artigo 12º

Objetos pertencentes a terceiro

A perda de objetos pertencentes a terceiro só pode ter lugar:

a)  Quando os seus titulares tiverem concorrido, com culpa, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiverem tirado vantagens; ou

b)  Quando os objetos forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo os adquirentes a proveniência.

Artigo 13º

Encargos nas unidades de saúde

O infractor assumirá também a responsabilidade pelos encargos decorrentes da assistência médica em unidades de saúde, sem prejuízo do direito a qualquer indemnização ou retribuição do consumidor das substâncias.

Artigo 14º

Receitas

O produto das coimas é distribuído da seguinte forma:

•a)   80% para a Região Autónoma da Madeira;

•b)   10% para o IASaúde IP-RAM, destinado a politicas de prevenção da toxicodependência;

•c)    10% para o SESARAM, EPE destinado ao tratamento da toxicodependência.

Artigo 15º

Regulamentação

O presente diploma é objeto de regulamentação, através de portaria do Secretário Regional dos Assuntos Sociais.

Artigo 16º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia posterior ao da sua publicação.”

III – Fundamentação

17.º

O artigo 1.º do decreto sob apreciação institui a proibição de venda ou disponibilização por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria.

18.º

Por sua vez, o artigo 2.º determina que estão abrangidas todas as substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação especifica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias.

19.º

O artigo 3.º sujeita a uma contra-ordenação quem anunciar ou publicitar, vender ou ceder, por qualquer forma, substâncias psicoativas consideradas no presente diploma, sendo determinadas e aplicadas coimas nos termos dos artigos 8.º, 9.º e 10.º.

20.º

Nos termos do artigo 7.º, é proibida toda a actividade comercial associada à produção e comercialização das substâncias consideradas no diploma (n.º1), devendo a Inspecção Regional das Actividades Económicas (IRAE) intervir de imediato e proceder ao encerramento de todos os espaços onde sejam disponibilizadas estas substâncias (n.º 2).

21.º

Conjugando estas últimas disposições com o disposto no artigo 10.º, a actividade comercial associada à produção e comercialização das substâncias consideradas no diploma constitui também uma contra-ordenação punível com uma coima.

22.º

As disposições invocadas visam “implementar na Região um regime contra-ordenacional de proibição genérica de qualquer substância psicoativa, que não possua regime próprio, sem prejuízo do quadro penal adequado que venha a ser aprovado na Assembleia da República“, como, aliás, resulta do preâmbulo do decreto em causa.

23.º

O Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sua redação atual, contém o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas,  conferindo à matéria uma natureza penal.

24.º

Esclarece o preâmbulo do diploma regional em apreciação que “a dimensão do problema para a saúde, subjacente à proliferação destes consumos, constitui fundamento bastante para que seja tomada uma opção legislativa diferente.

25.º

Não se ignora que o direito e o dever de protecção da saúde têm consagração constitucional, sendo qualificados pela Constituição como direitos e deveres fundamentais. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa reconhece no artigo 64.º o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover, dispondo, pelo seu n.º 1, que “Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover“. O direito à protecção da saúde é realizado, segundo a alínea b) do n.º 2 do artigo 64.º da lei fundamental, designadamente, “(…) pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável“, dispondo o n.º 3 do mesmo preceito constitucional que, para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado “estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência” (alínea f)).

 

26.º

No âmbito dos “Direitos e deveres económicos“, a Constituição estabelece ainda, pelo n.º 1 do artigo 60.º, o direito dos consumidores à “protecção da saúde“, dispondo no n.º 2 que “A publicidade é disciplinada por lei, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa“.

27.º

Na caracterização jurídico-constitucional do direito à protecção da saúde, a doutrina e a jurisprudência constitucionais reconhecem que este direito fundamental não apresenta sempre a mesma natureza, podendo nele avultar a veste de direito, liberdade e garantia ou, em outros casos, de direito económico ou social.

28.º

Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 825, em anotação ao artigo 64.º, sustentam que “Tal como muitos outros “direitos económicos, sociais e culturais”, também o direito à protecção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas.”

29.º

Noutra perspectiva, Carla Amado Gomes, Defesa da saúde pública vs. Liberdade individual, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1999, págs. 9 e segs: escreveu: “Daí que se possa dizer (…) que, no quadro do Estado Social, a intervenção pública das autoridades administrativas de saúde se desdobra em duas facetas: por um lado regulamentando, interditando, autorizando, impondo, enfim, determinadas formas de actuação aos particulares, quando se movam em áreas relacionadas com a saúde pública; por outro lado, assumindo o encargo de assegurar todo um conjunto de prestações de carácter material (e não só) (…). É contudo, na Lei Fundamental de 1976 que surgem bem patentes as duas vertentes do bem saúde, no artigo 64.º. Por um lado, a faceta de direito subjectivo à saúde – “todos têm direito à protecção da saúde” -, a par de um dever fundamental de a defender e promover (n.º 1); por outro lado, a dimensão objectivo-programática, que se traduz na imposição de tarefas ao Estado, de criação e manutenção de uma estrutura de prestação de cuidados de saúde à colectividade (o Serviço Nacional de Saúde – n.ºs 2 e 3) (…). Esta tarefa fundamental do Estado (…) bem como assim a dimensão subjectiva do direito à saúde, correspondem à explicitação de uma perspectiva predominantemente positiva, de promoção do bem saúde. No entanto, o direito à saúde comporta uma vertente negativa, “que consiste no direito a exigir do Estado (e de terceiros) que se abstenham de qualquer acto que prejudique a saúde”. (…) Há, assim, uma bifacetação do Estado – e da Administração (..) – no domínio da saúde. À friendliness do Estado que cria e mantém uma estrutura administrativa de prestação de cuidados de saúde tendencialmente gratuita, junta-se uma roughness (do outro lado) da Administração que tem por missão prevenir e debelar situações de risco sanitário, se necessário com o sacrifício de direitos dos cidadãos“.

30.º

Também Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora 2005, pág. 661, em anotação ao artigo 64.º, admitem que “A consagração constitucional do dever fundamental de defender e promover a saúde configura-se como norma habilitadora da introdução de normas proibitivas ou de obrigações legais em vista à defesa da saúde pública. Sem dúvida que o referido dever fundamental deve ser conjugado com outros direitos fundamentais, não se podendo obliterar, na sua concretização legislativa, os limites constitucionais às restrições de direitos, liberdades e garantias

31.º

Admitindo-se legítima a preocupação expressa pelo legislador regional, sobretudo em face dos direitos e interesses em presença, avultando o direito à saúde, nas suas múltiplas dimensões, as questões suscitadas pelas normas em apreciação prendem-se, prima facie, com a eventual natureza penal das matérias nelas tratadas.

 

32.º

Como vimos, o enquadramento normativo, nacional, internacional e europeu, da “venda ou disponibilização por qualquer forma de substâncias psicoativas” aponta para a tutela penal dos bens e direitos afetados pelo acesso e consumo dessas substâncias.

33.º

Ora, a definição dos ilícitos de mera ordenação social operada pelas normas do decreto regional agora submetido à apreciação do Tribunal Constitucional é feita a partir da consideração da incompletude (logo, ineficácia) das listagens das substâncias psicotrópicas proibidas ou condicionadas na legislação nacional, dada a proliferação de substâncias com efeitos semelhantes aos das substâncias proibidas, com “ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central” (como se lê no artigo 2.º), proibindo-se, por isso, “a venda ou disponibilização de substâncias psicoativas não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria” (artigo 1.º).

34.º

A opção pelo regime de ilícito de mera ordenação social fica ainda esbatida quando a mesma Assembleia Legislativa aprovou, alguns dias antes (em 17 de Julho pp.), uma Resolução ‑ a Resolução n.º 32/2012/M, de 1 de Agosto ‑ que consubstancia uma proposta de lei à Assembleia da República com o seguinte teor:

Artigo 1º

Objecto

O regime previsto pelo Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que definiu o regime jurídico do tráfico e consumo de estupefacientes e psicotrópicos, com as alterações posteriormente concretizadas, é aplicável a todas as outras substâncias psicoativas que não sejam controladas por legislação própria e que não estejam contempladas nas tabelas de substâncias proibidas, não obstante produzirem os mesmos efeitos.

Artigo 2º

Âmbito

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.”

35.º

A esta luz, poder‑se‑ia equacionar que o legislador optasse por um regime penal ou por um regime contra-ordenacional para estas condutas.

36.º

O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão suscitada, recordando-se aqui, um trecho do Acórdão n.º 336/2008, publicado no Diário da República, 2ª série, n.º 138, de 18 de Julho de 2008:

“… existem, desde sempre, razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção (vide FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 144-152, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).

A diferente natureza do ilícito condiciona, desde logo, a eventual incidência dos princípios da culpa, da proporcionalidade e da sociabilidade.

É que “no caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contra-ordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” (FIGUEIREDO DIAS, na ob. cit., pág. 146).

Da autonomia do ilícito de mera ordenação social resulta uma autonomia dogmática do direito das contra-ordenações, que se manifesta em matérias como a culpa, a sanção e o próprio concurso de infracções (vide, neste sentido, Figueiredo Dias na ob. cit., pág. 150).

Não se trata aqui “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima” (FIGUEIREDO DIAS em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, da ed. de 1983, do Centro de Estudos Judiciários).

E por isso, se o direito das contra-ordenações não deixa de ser um direito sancionatório de carácter punitivo, a verdade é que a sua sanção típica “se diferencia, na sua essência e nas suas finalidades, da pena criminal, mesmo da pena de multa criminal (…) A coima não se liga, ao contrário da pena criminal, à personalidade do agente e à sua atitude interna (consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação), antes serve como mera admoestação, como especial advertência ou reprimenda relacionada com a observância de certas proibições ou imposições legislativas; e o que esta circunstância representa em termos de medida concreta da sanção é da mais evidente importância. Deste ponto de vista se pode afirmar que as finalidades da coima são em larga medida estranhas a sentidos positivos de prevenção especial ou de (re)socialização.” (FIGUEIREDO DIAS, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, pág. 150-151, da ed. de 2001, da Coimbra Editora).”

37.º

A distinção entre os ilícitos penais e os ilícitos de mera ordenação social pode ainda ser relevante na perspetiva das garantias associadas ao processo penal. Nessa linha tem o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem aplicado o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece o direito a um processo equitativo, a infrações classificadas no direito interno de cada Estado como administrativas ou disciplinares, como ilustrado, a partir do Acórdão Öztürk. Tem sido entendido que se os Estados pudessem, à sua vontade, qualificar uma infracção de «administrativa» em vez de «penal», afastando as garantias fundamentais dos artigos 6.º e 7.º da Convenção, a aplicação destas normas ficaria subordinada à sua vontade soberana. Ora uma tão ampla latitude poderia conduzir a resultados incompatíveis com o objecto e fim da Convenção.

38.º

No ensaio do reconhecimento da natureza de uma sanção como penal, o mesmo Tribunal Europeu utilizou três critérios:

- A qualificação dada pelo direito interno do Estado em causa, a examinar à luz de um denominador comum às legislações dos vários Estados contratantes;

- A própria natureza da infracção;

- O grau de severidade ou gravidade da sanção, tendo como referência o máximo da pena aplicável;

39.º

A relação dialética estabelecida entre o regime que foi aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira e o regime que vigora ao nível nacional, previsto no sempre citado Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manifestamente ignora a distinção entre o ilícito penal e o ilícito de mera ordenação social, ao fazer-se aplicar um regime sancionatório administrativo a situações similares às sancionadas com uma pena criminal.

40.º

Isto, na medida em que o diploma regional se dirige à proibição de venda e disponibilização de substâncias não tipificadas como substâncias psicotrópicas ou estupefacientes, mas que, a reconhecer-se a produção dos mesmos efeitos nefastos para a saúde dos seus consumidores, poderão vir a ser integradas no tipo penal aplicável, através do aditamento das substâncias em causa às listagens constantes das Convenções internacionais já citadas e à própria legislação nacional.

41.º

Aliás, a própria Assembleia Legislativa, por via do exercício da sua iniciativa legislativa junto da Assembleia da República nos termos atrás referidos, reconhece natureza penal às condutas em causa. Nem podia ser de outro modo pois existe aqui – como é natural num ilícito criminal – uma censura ética dirigida à personalidade do agente.

42.º

Não pode, por conseguinte, aceitar‑se que, assumindo a Assembleia Legislativa, numa Resolução, a dimensão penal da matéria em causa, procure degradar a mesma numa pretensa óptica contra-ordenacional face à incompetência legislativa para a primeira perspetiva.

43.º

Por isso, as normas contidas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º e 10.º do diploma sob sindicância poderão estar feridas do vício de inconstitucionalidade orgânica, já que versam sobre matéria da reserva de competência legislativa do parlamento nacional, no domínio da definição de crimes e penas, por força da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º e da alínea a), do n.º 1 do artigo 227.º, da Constituição.

44.º

Na eventualidade de o Tribunal Constitucional reconhecer ao parlamento regional competência legislativa para aprovar as normas em crise à luz deste enquadramento orgânico, considerando tratar-se tão só da definição de contra-ordenações, nos termos da alínea q) do n.º 1 do artigo 227.º, sempre caberá indagar, agora numa perspectiva e num enquadramento material, se para tanto goza de inteira disponibilidade ou se, pelo contrário, tal competência deverá ser exercida no quadro de determinados parâmetros condicionadores.

 

45.º

Ora, importa também no ordenamento jurídico português aquilatar se as normas contidas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, n.ºs 1 e 2 e 10.º do decreto em análise, ao proibirem a venda ou disponibilização, por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria, e bem assim, o anúncio, a publicitação, a venda ou cedência por qualquer forma e toda a atividade comercial associada à produção e comercialização das substâncias consideradas no diploma, associando-lhes a instauração de um processo contra-ordenacional, estão feridas do vício de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios consagrados no artigo 29.º da Constituição, em especial, o princípio da legalidade, na vertente da determinabilidade da lei.

46.º

A resposta às questões enunciadas encontra-se, como não podia deixar de ser, na própria Constituição.

47.º

Isto, sem cair na “tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social“, como adverte o já citado Acórdão n.º 336/2008 do Tribunal Constitucional.

48.º

A autonomia do direito de mera ordenação social decorre desde logo das ideias expressadas no preâmbulo do diploma legal que aprova o respectivo regime jurídico (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), já que se sentiu a necessidade de dispor de um ordenamento sancionatório alternativo e diferente do direito criminal, afirmada essa diferença não apenas no plano formal como também e sobretudo na natureza dos respectivos bens jurídicos e na desigual ressonância ética.

 

49.º

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar a diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções entre o ilícito contra-ordenacional e o ilícito penal, considerando que os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social (Acórdãos n.ºs 344/93; 278/99; 160/2004; 537/2011 e 85/2012).

50.º

Efectivamente, o Acórdão n.º 85/2012, considerando o princípio da tipicidade do direito penal, na vertente nullum crimen, nulla poena sine lege coerta, conclui mesmo tratar-se de um “erro pretender estender tais exigências ao domínio contraordenacional” pelo que “a exigência de determinabilidade do tipo predominante no direito.criminal não opera no domínio contraordenacional“.

51.º

Contudo, há uma dimensão da exigência de determinabilidade das normas sancionatórias que não tem sido descurada pelo Tribunal Constitucional, mesmo neste aresto da jurisprudência constitucional, que averigua, sem embargo da posição assumida, se o tipo previsto na norma então sindicada “viola as exigências mínimas de determinabilidade no ilícito contraordenacional” (sublinhado acrescentado).

52.º

Assim, e mesmo que se consinta nalguma flexibilidade que pode caber na definição do tipo legal contra-ordenacional e, consequentemente, numa menor exigência na aplicação dos princípios constitucionais contidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 29.º CRP ao domínio das contra-ordenações, que não será «automática», certo é que as normas contidas nos artigos 1.º, 2.º, 3.º, 7.º e 10.º do decreto da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira em análise não podem deixar de se submeter ao parâmetro normativo constitucional de um mínimo de determinabilidade e previsibilidade, para ver cumprido o princípio da legalidade.

53.º

É esse mínimo que falta no caso em apreço.

54.º

As normas em crise determinam a aplicação de uma contra-ordenação, punível com uma coima e susceptível de cumulação com uma sanção acessória, às infracções ao disposto no diploma (artigos 10.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1).

55.º

As infracções ao disposto no diploma correspondem ao incumprimento da “proibição de venda ou disponibilização, por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria” (artigo 1.º), sendo sujeito à aplicação de uma contra-ordenação “quem anunciar ou publicitar, vender ou ceder por qualquer forma, substâncias psicoativas consideradas no presente diploma” (artigo 3.º), sendo “proibida toda a actividade comercial associada à produção e comercialização das substâncias consideradas no presente diploma” (artigo 7.º, n.º 1), estando “abrangidas todas as substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação específica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias” (artigo 2.º).

56.º

Não se questiona aqui a técnica de tipificação dos ilícitos contraordenacionais em causa, ao obrigar à conjugação das normas sancionatórias com as demais normas do regime estabelecido para delimitar o âmbito do ilícito, pois e como decorre do citado Acórdão n.º 85/2012, tal, só por si, não viola qualquer princípio constitucional.

57.º

Por outro lado, o recurso a conceitos indeterminados também não é condição automática para a formulação de um juízo de inconstitucionalidade sobre as normas que prevêem ilícitos de mera ordenação social, como já ponderado no Acórdão n.º 338/2003, em que estava em causa uma norma que estabelecia uma contra-ordenação, numa argumentação retomada, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 358/2005 e 352/2005:

58.º

Mas com a advertência, no que concerne aos conceitos indeterminados, que não haverá violação do princípio da legalidade e da sua teleologia garantística, desde que a sua utilização não obste à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos.

59.º

Nessa linha, pode ler-se no já citado Acórdão n.º 338/2003:

“Com efeito, nem sempre é possível – nem será mesmo desejável – uma determinação do tipo de tal modo acabada que se possa libertar de conceitos «algo imprecisos», sendo certo que uma rigorosa enumeração casuística pode representar-se como contraproducente, dada a multiplicação de espaços lacunares que inevitavelmente comportaria.

Nem por isso a verificação de uma relativa indeterminação tipológica significa violação dos princípios da legalidade e da tipicidade. Assim será sempre que se não saia da «órbita daquilo que razoavelmente pode exigir-se em rigor descritivo ou limitativo, de molde a não esvaziar de conteúdo a garantia consubstanciada naqueles princípios» (….).

O mínimo de determinabilidade há-de, em todo o caso, de se revestir de um grau de precisão tal que permita identificar os tipos de comportamentos descritos, na medida em que integram noções correntes da vida social, aferidas pelos padrões em vigor” (sublinhados e negrito acrescentados).

60.º

E em que consistirá esse mínimo de determinabilidade? Há uma resposta no Acórdão n.º 85/2012: Quando é “perfeitamente possível aos destinatários saber quais são as condutas proibidas, como ainda antecipar, com segurança, a sanção aplicável ao correspondente comportamento ilícito. E é nisto que consiste a necessária determinabilidade dos tipos contraordenacionais” (sublinhado acrescentado).

61.º

O que equivale a dizer que a norma deve ser minimamente clara e precisa para que o agente possa saber, a partir do texto legal, quais os actos ou omissões que acarretam a sua responsabilidade.

62.º

Verifica-se, porém, no caso vertente, que a definição operada pelo parlamento regional das condutas proibidas não cumpre o mínimo de determinabilidade que deve ser associado ao direito sancionatório, de modo ao cumprimento do princípio da legalidade, por mais baixa ou mínima que seja a exigência que se lhe possa conferir.

63.º

Com efeito, associar um regime sancionatório, traduzido na aplicação de coimas e de sanções acessórias, à “proibição genérica de venda ou disponibilização por qualquer forma, de substâncias psicoativas, não especificamente controladas ao abrigo de legislação própria” (artigo 1.º do diploma regional) não deixa de suscitar a questão da determinação, com um mínimo de clareza e de rigor, do que está a ser genericamente proibido.

 

64.º

Ora, a definição do âmbito da proibição, constante do artigo 2.º do mesmo diploma, não responde à pergunta feita. A definição de substância psicoativa abrange “todas as substâncias de origem natural ou sintética, em qualquer estado físico ou de um produto, planta cogumelo, ou parte dela contendo substância, com ação direta ou indireta sobre o sistema nervoso central, sem indicação específica para uso humano e cujo fabrico ou introdução no comércio não seja regulado por disposições próprias.

65.º

A conjugação das duas disposições transcritas permite concluir que a proibição (e punição) se dirige às substâncias psicoativas não especificamente previstas e controladas na legislação própria.

66.º

Considerando os efeitos associados às substâncias psicoativas (querendo com isso significar que atuam direta ou indiretamente ao nível do sistema nervoso central) e considerando o propósito do legislador regional de regular as “conhecidas «drogas legais», que não se enquadram nas tabelas de substâncias proibidas” (socorremo-nos aqui do preâmbulo como auxiliar de interpretação), aquelas substâncias deverão corresponder às substâncias psicotrópicas e aos estupefacientes que, por qualquer razão, escapam à listagem constante das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93.

67.º

Acontece que todas as definições vigentes de substâncias psicotrópicas e de estupefacientes, quer ao nível nacional, quer à escala europeia e internacional, remetem para as listagens constantes dos diplomas relevantes na matéria.

68.º

Não encontramos conceitos compreensivos nestas definições. Estamos muito longe das “noções correntes da vida social, aferidas pelos padrões em vigor”.

69.º

Se assim fosse, e partindo do pressuposto que substância psicoativa é a que tem ou pode ter efeitos diretos ou indiretos no sistema nervoso central, provocando alterações, designadamente, no humor, comportamentos, memória, perceção, sensações, lembrar-nos-íamos de produtos, tais como, exemplificativamente, plantas, cogumelos, substâncias ou parte delas, como o café, o álcool, o absinto, vários chás e infusões, o chocolate ou o cacau, vários frutos, como o medronho, o açúcar, plantas de bagos silvestres, cogumelos ou trufas.

70.º

Depois sempre seria de verificar se cumpriam os outros quesitos, agora de delimitação negativa, como o de não estarem sujeitos a legislação própria. A tarefa de delimitação do universo das substâncias proibidas no âmbito do diploma em causa torna-se, porventura, ainda mais difícil, pois para além do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, sempre seria de chamar à colação a legislação vigente, nomeadamente, nos domínios agro-alimentar e dos medicamentos.

71.º

Quanto ao primeiro aspecto focado, o da identificação das substâncias proibidas, bastará atentar na complexidade dos processos de construção das listagens das substâncias psicotrópicas e estupefacientes, para aferir da enorme especificidade técnica e científica e da necessidade de uma ponderação valorativa que escapam ao decisionismo dos poderes públicos.

72.º

O rigor aqui exigido revela-se na remissão feita pela lei nacional de combate à droga (Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) para as tabelas anexas ao diploma (artigo 2.º, n.º 1) e para a obrigatoriedade de actualização das mesmas em função das alterações que venham a ser introduzidas ao nível da Organização das Nações Unidas e, bem assim, tendo em conta a regulamentação da União Europeia (artigo 2.º, n.ºs 2 e 3).

73.º

A leitura do artigo 2.º da Convenção Sobre Substâncias Psicotrópicas é elucidativa quanto à complexidade do processo, transcrevendo-se apenas uma passagem que refere a intervenção da Organização Mundial de Saúde nesse processo:

“l – Se uma Parte ou a Organização Mundial de Saúde estiver na posse de informações ligadas a uma substância ainda não submetida à fiscalização internacional que, na sua opinião, possam tornar necessária a sua inscrição numa das listas da presente Convenção, deverá dirigir ao Secretário-Geral(…)

2 – (…)

3 – (…)

4 – Se a Organização Mundial de Saúde constatar:

a) Que a dita substância pode provocar:

i) 1) Um estado de dependência, e 2) Um estímulo ou uma depressão do sistema nervoso central, dando lugar a alucinações ou a perturbações da função motora, do julgamento, do comportamento, da percepção ou da disposição, ou

ii) Abusos e efeitos nocivos comparáveis aos de uma substância da lista I, II, III ou IV, e

b) Que existem razões suficientes para crer que a substância dá ou pode dar lugar a abusos tais que constitua um problema de saúde pública e um problema social, justificando a sua fiscalização internacional, deverá transmitir à Comissão um parecer sobre esta substância, onde indicará nomeadamente em que medida a substância dá ou pode dar lugar a abusos, a gravidade do problema de saúde pública e do problema social que constitui e o grau de utilidade da substância na terapêutica, assim como as recomendações sobre medidas eventuais de fiscalização a que seria oportuno sujeitá-la à luz desta avaliação.

5 – Tendo em conta a comunicação da Organização Mundial de Saúde, cujas opiniões serão determinantes em matéria médica e científica, e tendo ainda em consideração os factores de ordem económica, social, jurídica, administrativa e todos os outros que possa julgar pertinentes, a Comissão poderá acrescentar a dita substância à lista I, II, III ou IV. Poderá pedir informações complementares à Organização Mundial de Saúde ou a outras fontes apropriadas.”

74.º

Por seu turno, a preocupação com o aparecimento de novas (ou até agora desconhecidas) substâncias psicoativas também não tem sido descurada, ao nível União Europeia.

75.º

A DECISÃO n.º 2005/387/JAI do CONSELHO, de 10 de Maio de 2005, relativa ao intercâmbio de informações, avaliação de riscos e controlo de novas substâncias psicoactivas, estabelece importantes mecanismos de informação e de avaliação de riscos dessas novas substâncias, tendo em vista a sua identificação e a adopção das medidas adequadas ao seu controlo, sobretudo penal.

76.º

Também aqui se procura a identificação das novas substâncias psicoativas susceptíveis de risco para a saúde humana, para a adoção de medidas de controlo necessárias.

77.º

Recorde-se, por último, que para além da definição de ilícitos penais em matéria de tráfico de estupefacientes e de psicotrópicos, vigora um regime contra-ordenacional dirigido ao seu consumo, nos termos da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.

78.º

Sublinhe‑se o seguinte aspecto do regime agora invocado: mesmo no domínio das contra-ordenações, a tipificação dos ilícitos é feita por referência às plantas, substâncias e preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro.

79.º

Também aqui se revela o cuidado na delimitação do âmbito de previsão das normas que se dirigem ao sancionamento das condutas de consumo de substâncias psicotrópicas e de estupefacientes, com a prévia identificação das plantas, substâncias e preparações cujo consumo se considera ilícito (ponderados e avaliados pelos meios próprios os efeitos, riscos para a saúde e perigosidade das substâncias em causa).

80.º

Assim, voltando ao diploma a sindicar, não podemos deixar de concluir pela impossibilidade de conferir um conteúdo minimamente preciso aos conceitos contidos nas normas citadas, não sendo conhecidas ou identificáveis as substâncias cuja venda ou disponibilização é proibida.

81.º

Não parece estar qualquer destinatário das normas em causa habilitado a conhecer com um mínimo de segurança o âmbito das proibições agora estabelecidas. Por outro lado, a falta de determinabilidade das previsões normativas do diploma regional também irá necessariamente e de forma negativa refletir-se na aplicação e no controlo do direito sancionatório que lhes corresponde.

82.º

Deste modo,mostra-se desrespeitado o requisito constitucional de exigência de um mínimo de determinabilidade dos ilícitos contra-ordenacionais, violando-se o princípio da legalidade que decorre do n.º 1 do artigo 29.º da Lei Fundamental.

83.º

Cumpre ainda invocar as razões que justificam que a sindicância do Tribunal Constitucional se dirija ainda a uma norma que estabelece uma sanção acessória em termos que não parecem admissíveis à luz da repartição orgânica de competências feita na Constituição portuguesa.

84.º

O artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do diploma em apreciação prevê a possibilidade de ser fixada, como sanção acessória, a “interdição do exercício da profissão ou da actividade.”

85.º

O Regime Geral do ilícito de mera ordenação social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e 244/95, de 14 de Setembro e a Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro determina, no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), a possibilidade de a lei fixar, como sanção acessória, a “interdição do exercício de profissões ou actividades cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública”.

86.º

O que significa, por outras palavras, que o Regime Geral restringe a possibilidade de ser fixada a sanção acessória de “interdição do exercício de profissões ou actividades” apenas relativamente àquelas “cujo exercício dependa de título público ou de autorização ou homologação de autoridade pública.”

87.º

Ora, neste domínio, o artigo 11.º, n.º 1, alínea b) da proposta amplia a possibilidade resultante do Regime Geral na medida em que permite que a sanção acessória abranja a “interdição do exercício da profissão ou da actividade” sem especificar a eventual natureza dessa profissão ou actividade.

88.º

Pode, por conseguinte afirmar‑se que o segmento da norma agora em apreciação derroga o “regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social”, matéria que é da competência exclusiva da Assembleia da República, como resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea d), da Constituição.

89.º

Ora, como resulta do artigo 227.º, n.º 1, alínea q) da Constituição, quando as Regiões Autónomas houverem de “definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções“, haverão de fazê-lo “sem prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º“.

90.º

Existe, por conseguinte, nesta parte, violação da alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

 

91.º

Registe‑se, aliás, que este entendimento foi, no passado, assumido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 91/84 no qual foi afirmado o seguinte:

“A norma sub iudicio, para além da interdição do exercício de actividade, continuou a prever – reeditando nessa parte o artigo 5º do Decreto-Lei nº 30 290, de 13 de Fevereiro de 1940 – a medida de encerramento de estabelecimento, que a lei-quadro das contra-ordenações (cit. Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro) não prevê possa aplicar-se como medida acessória das coimas. Nesse aspecto, por isso – que não enquanto reduz a duração de tais medidas – o segmento da norma agora em apreciação derroga o «regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social», – o que é da competência exclusiva da Assembleia da República, como se vê do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição.

Ora, quando as regiões autónomas houverem de «definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectivas sanções», haverão de fazê-lo «sem prejuízo do disposto na alínea d) do artigo 168º» – preceitua o artigo 229°, alínea m), da Constituição.”(sublinhado nosso).

IV Síntese conclusiva

 

Do que vem de se expor, poderá concluir-se que as normas contidas nos artigos 1.º, 2.º e 3.º, 7.º, n.ºs 1 e 2, 10.º, 11.º, n.º 1, alínea b) do decreto em apreço, por ultrapassarem o âmbito da competência legislativa da Assembleia Legislativa, violando as normas dos artigos 165.º, n.º 1, alíneas c) e d), 227.º, n.º 1, alíneas a) e q), e 228.º, n.º 1, todas da Constituição, se encontram feridas do vício de inconstitucionalidade orgânica e os artigos 1.º, 2.º e 3.º, 7.º, n.ºs 1 e 2, 10.º, porque desrespeitam ainda o princípio da legalidade, decorrente do n.º 1 do artigo 29.ºda Constituição, padecem também de inconstitucionalidade material.

            Queira Vossa Excelência aceitar

            Lisboa, 9 de Agosto de 2012

 

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA 

 

(Ireneu Cabral Barreto)