Adapta à Região Autónoma da Madeira o Estatuto da Agricultura Familiar

Sua Excelência o

Presidente da Assembleia Legislativa da

Região Autónoma da Madeira

FUNCHAL

 

A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, em reunião plenária de 15 de dezembro p.p., um decreto intitulado “Adapta à Região Autónoma da Madeira o Estatuto da Agricultura Familiar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/2015, de 11 de outubro, e estabelece benefícios adicionais aos seus detentores”. O diploma foi, entretanto, remetido ao Representante da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

A apreciação política e jurídico-constitucional do articulado do diploma não mostrou razões que, a final e após ponderação, obviassem à assinatura do mesmo, sem prejuízo de se entender justificado, através de V. Exa., levar as seguintes observações ao conhecimento da Assembleia Legislativa, solicitando que as mesmas sejam transmitidas a todos os grupos parlamentares e demais entidades com relevantes competências na matéria.

O artigo 6.º do decreto em apreço tem por epígrafe “Autarquias locais”, estabelecendo que “As autarquias locais da Região Autónoma da Madeira podem estabelecer para os detentores do Estatuto RAM, medidas adicionais de apoio que tenham por convenientes, designadamente, ao nível da promoção dos circuitos curtos de comercialização”.

Tendo presente que ao legislador regional está vedado dispor sobre as competências das autarquias locais — em razão do disposto no artigo 227.º/1 al. b) da CRP, e como resulta da abundante jurisprudência constitucional que aqui me dispenso de recordar —, ponderei se este artigo 6.º se conteria nos limites do poder legislativo regional.

Os “circuitos curtos de comercialização” são um conceito económico que se refere às relações diretas de comercialização de produtos agrícolas entre produtores e consumidores, e que têm habitualmente lugar em feiras e mercados. Os órgãos das autarquias locais têm já várias competências ligadas a este domínio, tanto as juntas de freguesia no tocante ao licenciamento, como as câmaras municipais no que respeita, por exemplo, a circuitos de distribuição de bens e promoção do desenvolvimento de atividades económicas (v.g., artigos 16.º/3 al. c) e 33.º/1 als. ee) e ff) da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, que estabelece o regime jurídico das autarquias locais).

Note-se também que, muito embora o Decreto-Lei em adaptação não contenha norma semelhante, procedeu à criação da Comissão Nacional da Agricultura Familiar, de cuja composição fazem a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a Assembleia Nacional de Freguesias (artigo 10.º/4). Por outras palavras, o legislador nacional considerou que as autarquias locais já possuíam competências relevantes para este domínio, caso contrário tais associações nem poderiam participar em tal órgão.

Verifica-se igualmente que a aprovação do diploma em apreço foi precedida de audição da Associação de Municípios da RAM (assim como da Associação de Agricultores da Madeira e a Associação de Jovens Agricultores da Madeira e do Porto Santo).

Assim, entendo que o artigo 6.º em análise não inova no tocante a competências das autarquias locais, não merecendo por isso juízo crítico de constitucionalidade. Interpreto-o, sim, como norma destinada a reconhecer que os apoios previstos para a agricultura familiar no diploma em análise não são excludentes de outras “medidas adicionais” vantajosas ao nível dos circuitos curtos de comercialização que as autarquias entendam “convenientes”, no exercício de competências que as mesmas já detêm. Por outras palavras, entendo que se trata de uma norma que clarifica que possam existir outros benefícios deste estatuto da agricultura familiar, e que não atribui às autarquias locais qualquer competência nova nem coloca sobre as mesmas qualquer dever de exercício de competências já existentes. É no pressuposto de tudo o que antecede que decidi assinar o diploma em apreço, nos termos do artigo 233.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

Apresento a Vossa Excelência

Lisboa, 28 de dezembro de 2022

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA,

(Ireneu Cabral Barreto)