“Segunda alteração ao Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 abril, que adapta à Administração Regional Autónoma da Madeira a Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, diploma que estabelece o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado”

Sua Excelência o

Presidente da Assembleia Legislativa da

Região Autónoma da Madeira

            A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, em 19 de maio de 2016, um decreto intitulado “Segunda alteração ao Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 abril, que adapta à Administração Regional Autónoma da Madeira a Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, diploma que estabelece o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado” e que foi, entretanto, remetido ao Representante da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

            A apreciação política e jurídico-constitucional do articulado do diploma não mostrou razões que, a final e após ponderação, obviassem à assinatura do mesmo, sem prejuízo de se entender justificado, através de V. Exa., levar as seguintes observações ao conhecimento da Assembleia Legislativa:

1. A Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, aprovou o estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado.

    • Na vigência da redação original desta Lei, o recrutamento de diretores-gerais (que são cargos de direção superior de 1.º grau) era feita “por escolha”.
    • Este diploma aplicava-se às Regiões Autónomas, sem prejuízo da publicação de diploma regional de adaptação às “especificidades orgânicas do pessoal dirigente da respectiva administração regional”.

2. O Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 de Abril, procedeu à adaptação referida (com alterações depois introduzidas pelo Decreto Legislativo Regional n.º 27/2006/M, de 14 de julho).

3. A Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, veio a ser alterada pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro:

    • Esta alteração estabeleceu que os titulares dos cargos de direção superior são recrutados, por procedimento concursal, nos termos dos artigos 19.º, 19.º-A e seguintes.
    • Este procedimento concursal é realizado pela Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CRESAP), entidade independente, que funciona junto do membro do Governo da República responsável pela administração pública.
    • Tal sistema concursal para a escolha dos titulares dos cargos de direção superior manteve-se com as posteriores alterações à Lei n.º 2/2004, de 15 janeiro (a última das quais decorrente da Lei n.º 128/2015, de 3 de setembro).

4. Nos termos do ponto 17,a) do PAEF, a Região Autónoma da Madeiracomprometeu-se,junto do Governo da República,a adaptar à Região o regime da referida Lei n.º 64/2011, “eliminando qualquer tratamento mais favorável dos dirigentes e trabalhadores em funções públicas da Região em relação aos trabalhadores da administração central do Estado”.

    •   Esta adaptação foi desencadeada pelo decreto da Assembleia Legislativa aprovado em sessão plenária de 31 de julho de 2013, que previa, para a Região, a regra do concurso para recrutamento de diretores regionais, concurso esse que seria realizado por uma “Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Regional da Madeira”.
    •  Sucede que este decreto foi devolvido à Assembleia Legislativa pelo Representante da República (por razões conhecidas, para as quais se remete, mas sem qualquer relação com a matéria ora em causa).
    • Na sequência disso, a Assembleia Legislativa não tomou qualquer medida (não corrigiu o diploma, nem o confirmou), abandonando o processo legislativo, pelo que, em consequência, perdeu-se uma oportunidade de proceder a esta adaptação à Região.

5. A orientação do legislador regional, hoje, é a de que uma verdadeira estrita adaptação transpositiva ddesse regime e, instituidorandoda regra concursal na Região para seleção dos cargos de direção superior enfrenta várias dificuldades, sendo desadequada à realidade regional.

6. O que se pretende, no diploma em apreço é, claramente, criar um regime de nomeação relativamente livre dos cargos de direção superior, designadamente, de diretores regionais, distinto do regime nacional.

7. Por outro lado, nEsta pretensão do legislador regional suscitou algumas dúvidas de constitucionalidade, tanto em termos materiais como orgânicos, bem como uma ponderação de natureza política.

8. Em primeiro lugar, e em termos materiais, a Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que “[t]odos os cidadãos têm direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” (artigo 47.º, n.º 2, sublinhado nosso). No caso vertente, porém, não está em causa o acesso à função pública (no sentido de entrada inicial). Noutras situações, como no preenchimento de lugares superiores, não está o legislador impedido de excecionar aquela regra, como a própria norma constitucional deixa entender pela sua formulação textual. Admitem-se exceções, portanto, nomeadamente quando se entenda que certos cargos carecem de confiança política (entendimento que o legislador regional segue no caso vertente).

9. Aliás, a Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, conviveu sem problemas com os referidos preceitos da CRP até às alterações trazidas pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro.

10. Além disso,a nomeação para cargos de direção superior (cfr. artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 abril, a alterar pelo decreto em apreço) não é totalmente livre ou discricionária, tendo em conta que são fixados requisitos curriculares essenciais para os candidatos aos lugares em causa, sendo considerada a adequação à natureza das funções.

11. Não se vislumbra, portanto, um eventual vício consistente de inconstitucionalidade material. 

12. Em segundo lugar, não é absolutamente claro que a matéria em causa não seja suscetível, teoricamente,  de  porque, estando integrar as bases do regime da função pública, que é matéria de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, e que não pode ser objeto de autorização legislativa a favor do legislador regional (artigos 227.º, n.º 1, alínea b), e 165.º, n.º 1, alínea t), da CRP), desde logo porque o legislador nacional não qualificou como bases a matéria do procedimento de recrutamento para cargos de direção superior na administração pública.

13. Como tal, também não é possível concluir pela existência de um eventual vício consistente de inconstitucionalidade orgânica, pelo que, na dúvida, não se provoca a fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional.

14.  Se se admitisse a hipótese de que o regime ora em causa – na parte em que opta por um regime não concursal para a designação dos cargos de direção superior – pudesse contrariar alguma disposição legal nacional passível de eventual qualificação como norma de bases, apesar de restringida a legitimidade do Representante da República a suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade, e já não da legalidade, ainda se colocaria a possibilidade de recusa de assinatura.

15. Mas não parece haver motivo bastante para tal. Com efeito, para além do que se deixou já dito (cfr. ponto 13), se originariamente a Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, foi aprovada como “lei geral da República”, é sabido que esta categoria desapareceu com a revisão constitucional de 2004, tendo então desaparecido também a necessidade de a legislação regional respeitar os princípios gerais daquelas leis reforçadas. Por isso, a adaptação regional às “especificidades orgânicas do pessoal dirigente” das administrações regionais, prevista no artigo 1.º, n.º 3 da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, tem hoje que ser lida como conferente de uma margem superior ao legislador regional.

16. Finalmente, diga-se que na Região Autónoma dos Açores, como é sabido, vigora também um regime de nomeação livre, que decorre da alteração trazida pelo Decreto Legislativo Regional n.º 17/2009/A, de 14 de outubro, ao Decreto Legislativo Regional n.º 2/2006/A, de 6 de janeiro. Esta alteração tornou claro que os titulares de cargos de direção superior são nomeados em regime de comissão de serviço, pelo período do mandato dos respetivos membros do governo, assim introduzindo o elemento da confiança política naquele regime. Tendo em conta que a Região Autónoma da Madeira pretende instituir, neste particular, um regime idêntico ao da Região Autónoma dos Açores, regista-se que que não é conhecida se conhece qualquer decisão do Tribunal Constitucional que tenha recaído sobre os correspondentes diplomasdesta última Região Autónoma).

17. Tudo visto, compreendendo-se as razões de quem preferisse uma solução legislativa regional mais próxima da nacional no tocante ao sistema de escolha dos cargos de direção superior, não pode o Representante da República ser insensível às particulares dificuldades sentidas na composição da administração regional pelos órgãos de governo próprio da Região, nem lhe cabe sobrepor-seaàsua vontade destes à destes últimos, senão em particulares situações.

É no pressuposto do que antecede, e considerando que a Região está na melhor posição para ajuizar da sua organização administrativa, obviando com este regime a outras opções mais onerosas (que implicassem, por exemplo, alterações  ao nível na orgânica do Governo Regional), que decidi assinar o diploma em apreço, nos termos do artigo 233.º, n.os 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.

 

Apresento a V. Exa. os melhores cumprimentos,

 Funchal, 20 de  junho de 2016

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA 

(Ireneu Cabral Barreto)