Estabelece o direito de opção dos cidadãos quanto às terapêuticas não convencionais na Região Autónoma da Madeira

                                                                                  Sua Excelência

                                    o Presidente da Assembleia Legislativa da

                                                           Região Autónoma da Madeira

         A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, em 8 de Janeiro de 2015, um decreto que “estabelece o direito de opção dos cidadãos quanto às terapêuticas não convencionais na Região Autónoma da Madeira”, diploma entretanto remetido ao Representante da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233.º, n.o 1, da Constituição da República Portuguesa.

        A apreciação política e jurídico-constitucional do articulado do diploma não mostrou razões que, a final e após ponderação, obviassem à assinatura do mesmo, sem prejuízo de se entender justificado, através de V. Exa., levar as seguintes observações ao conhecimento da Assembleia Legislativa:

  1. A Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto (ainda anterior à revisão constitucional de 2004 e qualificada como lei geral da República), estabeleceu o enquadramento da atividade e do exercício dos profissionais que aplicam as terapêuticas não convencionais, tal como definidas pela Organização Mundial de Saúde;
  2. Esta Lei, no seu artigo 4.º, n.º 1, já inclui, entre os princípios orientadores das terapêuticas não convencionais, o “direito individual de opção pelo método terapêutico, baseado na escolha informada, sobre a inocuidade, qualidade, eficácia e eventuais riscos”. O artigo 13.º, n.º 1, por seu turno, assenta inequivocamente que os “os cidadãos têm direito a escolher livremente as terapêuticas que entenderem”;
  3. Mais recentemente, a Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro, veio regular o acesso às profissões no âmbito das terapêuticas não convencionais e o seu exercício nos sectores público e privado, com ou sem fins lucrativos;
  4. Por conseguinte, o direito individual de opção por terapêuticas não convencionais já existe, tendo sido criado a nível nacional pela Lei n.º 45/2003, de 22 de Agosto, encontrando-se igualmente já disciplinado a nível nacional o exercício da correspondente atividade profissional, através da Lei n.º 71/2013, de 2 de Setembro;
  5. Nesta perspetiva, ao afirmar, no seu artigo 1.º, que “consagra o direito dos cidadãos residentes na Região Autónoma da Madeira a escolher livremente as terapêuticas que entenderem”, o decreto ora em apreço, tendo uma natureza manifestamente regulamentar, não pode ser interpretado senão no sentido de criar as condições de exercício desse mesmo direito ao nível regional;
  6. Por outro lado, verifica-se que uma parte substancial do articulado do diploma em apreço constitui aproveitamento de normas já editadas por órgãos de soberania, normalmente por remissão, mas também com reprodução das soluções materiais de algumas delas. Como é sabido, a jurisprudência constitucional tem-se pronunciado negativamente a respeito da apropriação de atos legislativos nacionais pela legislação regional (cfr., entre outros, Ac. TC n.º 246/90, de 11 de Julho de 1990, e, mais recentemente, Ac. TC n.º 185/2009, de 21 de Abril de 2009);
  7. No caso vertente, regista-se que, numa leitura global do diploma (que inclui o respetivo preâmbulo), o legislador regional se refere expressamente à legislação nacional, parecendo que as referências à normatividade nacional servem apenas a sua regulamentação regional;
  8. Entende-se, por isso, que se está perante uma técnica legislativa deficiente, que importa aperfeiçoar, mas não mais;
  9. Em todo o caso, é este um aspeto que deve ser observado de perto, de futuro, pois é muitas vezes ténue e problemática a fronteira entre a inconstitucionalidade e a deficiente técnica legislativa;
  10. Por último, assinale-se que a Região Autónoma tem poderes para modelar para o âmbito regional, quando necessário, apenas as sanções de natureza administrativa ou contraordenacional e não as de natureza jurídico-penal, sendo tão-somente neste sentido que se admite a interpretação da expressão “definição do quadro sancionatório” presente no artigo 8.º do diploma em apreço;
  11. Em razão da sua aplicabilidade a nível nacional, não podem ser reproduzidas a nível regional normas jurídico-penais já previstas em normas legislativas provenientes dos órgãos de soberania (cfr. o já supra citado Ac. TC n.º 185/2009).

É no pressuposto do que antecede, nomeadamente, por se tratar de um decreto que se limita a regulamentar o exercício do direito individual de opção por métodos terapêuticos não convencionais, que decidi assinar o diploma em apreço, nos termos do artigo 233.º, n.o 1, da Constituição da República Portuguesa.

Apresento a V. Exa. os melhores cumprimentos,

Lisboa, 23 de janeiro de 2015

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

  

(Ireneu Cabral Barreto)