Adapta à administração regional autónoma da Madeira o regime que modifica os procedimentos de recrutamento, seleção e provimento nos cargos de direção (...)

                                        

Sua Excelência

O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira

Funchal

            Ao abrigo do disposto no artigo 233.º, n.º 2 da Constituição e no exercício da competência atribuída ao Representante da República por tal normativo, devolvo à Assembleia Legislativa o decreto aprovado em sessão plenária de 30 de Julho findo que “Adapta à administração regional autónoma da Madeira o regime que modifica os procedimentos de recrutamento, selecção e provimento nos cargos de direcção superior da Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 64/2011, de 22 de Dezembro, que procedeu à quarta alteração à Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, que aprova o estatuto do pessoal do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, procedendo à segunda alteração ao Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 de Abril”, com base nos fundamentos seguintes:

I – O quadro normativo nacional relativo ao estatuto do pessoal dirigente dos serviços e organismos da administração central, regional e local

 

  1. A Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, que aprovou os procedimentos de recrutamento, selecção e provimento nos cargos de direcção superior da Administração Pública, na derradeira versão resultante da Lei n.º 64/2011, de 22 de Dezembro, prevê, no artigo 20.º, n.º 1, que o recrutamento dos titulares de cargos de direcção intermédia seja efectuado por procedimento concursal de entre trabalhadores em funções públicas contratados ou designados por tempo indeterminado, licenciados, dotados de competência técnica e aptidão para o exercício de funções de direcção, coordenação e controlo que reúnam seis ou quatro anos de experiência profissional em funções, cargos, carreiras ou categorias para cujo exercício ou provimento seja exigível uma licenciatura, consoante se trate de cargos de direcção intermédia de 1.º ou de 2.º grau, respectivamente.
  2. Nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do mesmo diploma, constituem cargos de direcção intermédia de 1.º grau, os cargos de director de serviços e de 2.º grau, os de chefe de divisão.
  3. Determina o n.º 3 do artigo 20.º do mesmo diploma nacional que vimos acompanhando que a área de recrutamento para os cargos de direcção intermédia de unidades orgânicas cujas competências sejam essencialmente asseguradas por pessoal integrado em carreiras ou categorias de grau 3 de complexidade funcional a que corresponda uma actividade específica possa ser alargada a trabalhadores integrados nessas carreiras titulares de curso superior que não confira grau de licenciatura.
  4. Acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo 20.º que, quando as leis orgânicas expressamente o prevejam, o recrutamento para os cargos de direcção intermédia possa também ser feito de entre trabalhadores em funções públicas integrados em carreiras específicas dos respectivos serviços ou órgãos, ainda que não possuidores de curso superior.
  5. Por fim, o n.º 5 do mesmo artigo prevê que, nos casos em que o procedimento concursal fique deserto ou em que nenhum dos candidatos reúna condições para ser designado, nos termos do n.º 7 do artigo 21.º, os titulares dos cargos de direcção intermédia possam igualmente ser recrutados, em subsequente procedimento concursal, de entre indivíduos licenciados sem vínculo à Administração Pública que reúnam os requisitos previstos no n.º 1 e desde que:
    1. O serviço ou órgão interessado o tenha solicitado, em proposta fundamentada, ao membro do Governo responsável pela área da Administração Pública;
    2. O recrutamento caiba dentro da quota anualmente fixada para o efeito pelo membro do Governo responsável pela área da Administração Pública;
    3. O membro do Governo responsável pela área da Administração Pública o tenha autorizado.
  6. De todo o exposto resulta que nenhuma disposição da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, permite o recrutamento para cargos de direcção intermédia de pessoal na situação de aposentado.

 

II – O regime jurídico resultante do Estatuto da Aposentação

 

  1. O Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na derradeira versão resultante da alteração aprovada pelo Decreto‑Lei n.º 29‑A/2011, de 1 de março dispõe, nos artigos 78.º e 79.º, da seguinte forma: 

“Artigo 78.º - Incompatibilidades

1. Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.

2. Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:

a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;

b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.

3. Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:

a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;

b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.

4. A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções.

5. [Revogado].

6. O disposto no presente artigo aplica-se igualmente ao pessoal na reserva fora de efetividade ou equiparado.

7. Os termos a que deve obedecer a autorização de exercício de funções prevista no n.º 1 pelos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação de aposentação são estabelecidos, atento o interesse público subjacente, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.

Artigo 79.º - Cumulação de pensão e remuneração

1. Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.

2. Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.

3. (…)

4. (…)

5. (…)”

 

  1. O Estatuto da Aposentação é aplicável em todo o território nacional.
  2. Os citados artigos 78.º e 79.º foram sucessivamente alterados pelos Decretos‑Lei n.ºs 215/87, de 29 de maio; 179/2005, de 2 de Novembro e 137/2010, de 28 de Dezembro pretendendo‑se, através das referidas modificações, limitar a possibilidade de aposentados exercerem funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.
  3. Pode, por conseguinte, afirmar‑se que o Estatuto da Aposentação ergueu um princípio que determina a proibição de aposentados exercerem funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica.
  4. Trata-se, é certo, de uma proibição relativa uma vez que o mesmo artigo 78.º, n.º 1, permite que, a título excepcional, aposentados possam exercer funções públicas remuneradas quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
  5. Porém, está em causa uma norma excepcional da qual é possível inferir que pessoas aposentadas não podem, em regra e nomeadamente, concorrer a cargos dirigentes da função pública, sejam de direcção superior, sejam de direcção intermédia.
  6. Na verdade, esta proibição é, de alguma forma, reflectida na legislação nacional que aprovou os procedimentos de recrutamento, selecção e provimento nos cargos de direcção superior da administração pública anteriormente descrita uma vez que em nenhum preceito se prevê a possibilidade de ser recrutado, para cargos de direcção, pessoal na situação de aposentado.

 

III – O quadro normativo que se pretende instituir no âmbito regional e a razão de ser da rejeição de assinatura do decreto sob apreciação

 

  1. O artigo 2.º do Decreto em apreciação propõe a seguinte redacção para o artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 de abril:

“Artigo 4.º […]

O recrutamento para os cargos de direcção intermédia a que se refere o n.º 4 do artigo 20.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de janeiro, com a quarta alteração introduzida pela Lei n.º 64/2011, de 22 de dezembro, pode também ser feito de entre pessoal na situação de aposentado que tenha pertencido a carreiras específicas dos respectivos serviços ou organismos, ainda que não possuidores de curso superior.”

  1. O disposto no artigo 4.º do Decreto em apreciação não tem, em rigor, um conteúdo inovador tendo, no passado, sido aprovado preceito de natureza idêntica nos termos do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2004/M, de 22 de Abril.
  2. Acontece que o contexto histórico que determinou a ratio legis subjacente à opção tomada em 2004 não pode ser a mesma que se verifica actualmente.
  3. Na verdade, a alteração operada nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação em 2005 (Decreto-lei n.º 179/2005) e 2010 (Decreto-lei n.º 137/2010) visou, como foi exposto, reduzir a possibilidade de pessoal na condição de aposentado exercer funções públicas.
  4. Ora, a esta luz, não será aceitável que seja, neste momento, editada uma norma que autoriza que o recrutamento, através de procedimento concursal, para cargos de direcção intermédia seja feito, ou possa ser feito, de entre pessoal na situação de aposentado.
  5. Não se questiona a possibilidade de um aposentado poder exercer funções públicas nos termos dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação.
  6. O que se questiona é uma norma que permite que pessoal na situação de aposentado se possa apresentar num procedimento concursal para recrutamento para cargos de direcção intermédia, eventualmente concorrendo com outros funcionários no activo.
  7. Acontece que, independentemente de se considerar que estamos – ou não – face a lei especial para efeitos de aplicação da parte final do n.º 1 do artigo 78.º do Estatuto da Aposentação, não existe razão objetiva suficiente que determine, face ao interesse específico da Região e no actual contexto social e económico, que o recrutamento, através de procedimento concursal, para os cargos de direcção intermédia seja ou possa ser feito de entre pessoal na situação de aposentado, de forma diversa da que se verifica a nível nacional.
  8. Pode até considerar‑se que o artigo 4.º do Decreto em apreciação contende com princípios fundamentais resultantes do Estatuto da Aposentação e que, como tal, viola do disposto no artigo 79.º, n.º 2 do Estatuto Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira.
  9. Note‑se que não se questiona a competência legislativa regional para emitir o diploma em apreciação.
  10. O que está em causa é uma solução normativa que, diferenciando-se da estabelecida no artigo 20.º da Lei n.º 2/2004 na versão dada e republicada pela Lei n.º 64/2011, colide com um princípio geral susceptível de ser extraído dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação e que, consequentemente, deve ser reponderada.

            Na decorrência do exposto impõe‑se que o diploma em causa seja devolvido à Assembleia para sua reapreciação.

 

            Apresento a Vossa Excelência

            Lisboa, 8 de agosto de 2013

O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

(Ireneu Cabral Barreto)