Sua Excelência o
Presidente da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira
FUNCHAL
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira aprovou, em reunião plenária de 14 de novembro p.p., um decreto intitulado «Estabelece a medida excecional de criação de projetos integrados de intervenção territorial (PIIT)». O diploma foi, entretanto, remetido ao Representante da República, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 233.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
A apreciação política e jurídico-constitucional do articulado do diploma não mostrou razões que, a final e após ponderação, obviassem à assinatura do mesmo. Sem prejuízo, entende-se justificado, através de V. Exa., levar as seguintes observações ao conhecimento da Assembleia Legislativa, solicitando que as mesmas sejam transmitidas a todos os grupos e representações parlamentares e demais entidades com relevantes competências na matéria.
A devastação resultante dos incêndios que assolaram a Região no transato mês de agosto veio, mais uma vez, chamar a atenção de todos para a necessidade de se concretizar um correto ordenamento do território, incluindo um melhor ordenamento florestal.
Tal necessidade é já uma exigência do presente, mas tornar-se-á ainda mais aguda quanto as alterações climáticas de que todos somos testemunhas venham a gerar fenómenos climatéricos extremos, aos quais se associam acrescidos riscos de incêndio.
É certo que o dever de um correto ordenamento florestal, onde avulta a limpeza dos terrenos, incumbe primeiramente aos seus proprietários ou aos que se encontrem a explorar o solo. Os poderes públicos não podem, porém, ignorar a realidade e que, num número eventualmente não desprezível de casos, esse dever não é cumprido.
Tal pode resultar de simples desinteresse, mas resulta muitas vezes da difícil viabilidade económica das explorações ou da pura ausência dos proprietários. Urge, portanto, procurar soluções para este problema.
Foi o que o legislador regional – à semelhança do já levado a cabo pela República – procurou fazer através do diploma acima mencionado. Todavia, a ação da Assembleia Legislativa terá, em todo o caso, de se enquadrar no limites constitucionais e estatutários vigentes.
Este alerta, aplicável a toda a atividade deste órgão de governo próprio da Região, redobra-se de intensidade quando se procura legislar nas imediações dos direitos fundamentais, cujo regime é da reserva relativa da Assembleia da República. É o que acontece com o diploma a que nos reportamos.
Importa ter em conta que o artigo 62.º (Direito de Propriedade Privada) da Constituição, sendo um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, comporta em si mesmo duas dimensões:
— uma dimensão de direito fundamental, relativamente à qual as Regiões Autónomas não podem legislar; e
— uma dimensão de direito económico, social e cultural, relativamente à qual as Regiões Autónomas já poderão exercer o seu poder legislativo.
Atenta a jurisprudência constitucional, na dimensão de direito fundamental, engloba-se tão só (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; e (iii) o direito de transmissão da propriedade inter vivos ou mortis causa. Ora, o regime do PIIT recentemente aprovado não bule com qualquer uma das componentes da dimensão de direito fundamental do direito de propriedade acima referidas.
É no pressuposto de tudo o que antecede que decidi assinar o diploma em apreço, nos termos do artigo 233.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Apresento a Vossa Excelência
Funchal, 3 de dezembro de 2024
O REPRESENTANTE DA REPÚBLICA,
(Ireneu Cabral Barreto)