Alocução proferida na cerimonia de entrega da Condecorações Concedidas por Sua Excelência o Presidente da República, no dia 10 de junho de 2025, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, no Palácio de São Lourenço

ALOCUÇÃO PROFERIDA PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA NA CERIMÓNIA DE ENTREGA DE CONDECORAÇÕES POR DELEGAÇÃO EXPRESSA DE SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, NO DIA 10 DE JUNHO DE 2025, DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, NO PALÁCIO DE SÃO LOURENÇO

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Começo por cumprimentar e saudar a vossa presença nesta sessão solene que celebra e festeja, na Região Autónoma da Madeira, o dia 10 de Junho.

Hoje comemoramos Portugal e os portugueses, evocamos a sua voz maior, Luís de Camões, e relembramos as nossas Comunidades Portuguesas, que nos ampliam a uma dimensão universal.

“Nação pequena que foi maior do que os deuses em geral o permitem”, como sobre nós escreveu Eduardo Lourenço, Portugal celebra-se mais uma vez entre a nostalgia do passado e as dúvidas sobre o futuro.

Revisitando o longo caminho que percorremos como comunidade e o muito que alcançámos como Nação, mesmo que persistam desigualdades e injustiças que é necessário corrigir.

Em nome das próximas gerações, é urgente e imperioso continuarmos, com energia renovada, a celebrar o Portugal livre, democrático e moderno que construímos desde abril de 1974, assente na dignificação da pessoa e nas liberdades e direitos fundamentais.

E gostaria, neste ano em que comemoramos meio século da eleição da Assembleia Constituinte, de saudar a presença nesta cerimónia do então deputado José Carlos Rodrigues, eleito pelo círculo da Madeira, que contribuiu para esse momento histórico, da concretização do Estado de direito democrático e do nascimento da Autonomia, culminado com a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1976.

Celebrarmos este dia, na Região Autónoma da Madeira, é particularmente significativo.

Porque a realidade do nosso País não seria a mesma se não fossem as suas Regiões Autónomas.

Em boa verdade, Portugal só alcançou a identidade nacional quando se libertou do acantonamento peninsular e em frágeis caravelas se fez ao Mundo, rumo a um destino maior.

Quando, chegando ao Porto Santo e à Madeira, deixou de ser apenas a “ocidental praia” da Europa, que os ventos da história facilmente podiam ter varrido, para se tornar uma nação universal.

Comemorar o Dia de Portugal nesta Região Autónoma da Madeira é lembrar aquilo que nos torna únicos.

Se pudermos refletir por algum tempo no futuro de Portugal, da Madeira, dos nossos concidadãos emigrados, no nosso futuro enquanto comunidade, então esta celebração terá ainda mais significado e alcance.

Permitam-me, por conseguinte, que partilhe convosco algumas ideias.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É fundamental que, nesta ocasião, os nossos pensamentos estejam com as Comunidades Portuguesas e, em particular, com os nossos concidadãos que procuraram uma vida melhor em Países que passam por graves convulsões internas.

E em especial a diáspora madeirense, que há pouco lembrámos depondo flores no Monumento aos emigrantes, como expressão do nosso respeito, apreço e saudade.

(Abro um parentese para perguntar se ainda não chegou o tempo de esses emigrantes, mormente aqueles que têm interesses na Região e aqui pagam os seus impostos, contribuírem com o seu voto na eleição para a nossa Assembleia Legislativa?)

Agradecendo-lhes a imagem que construíram do nosso País e da nossa Região, mercê do seu trabalho e integridade.

E, se souberam integrar-se nas Nações que os acolheram, nunca se esqueceram da terra onde nasceram, sabendo que a sua saudade é também a nossa.

Mas, se todos nos orgulhamos das nossas Comunidades que se espalham pelo Globo, e representam o melhor de nós nos cinco continentes, temos também de olhar para aqueles que nos escolhem como local de acolhimento.

Porque é este o tempo para nos questionarmos sobre qual é a abertura ao Mundo que queremos verdadeiramente ter.

Há que reconhecer que muitos dos nossos concidadãos olham hoje para os imigrantes que afluem a Portugal com estranheza e, não raras vezes, com receio.

Mas, com uma história de quase nove séculos que mistura celtas, visigodos, lusitanos, fenícios, romanos, árabes, judeus, africanos e eslavos, que resultaram naquilo que é hoje a nossa identidade, devemos ter medo do Outro, por muito diferente que nos pareça?

Digo-vos claramente que não.

O maior medo que devemos ter é o medo da ignorância, da mentira, do preconceito, da xenofobia, que são alimentados pelo populismo, que corrói a democracia tão duramente conquistada.

E se não queremos que o inverno demográfico se abata rapidamente sobre nós, não podemos dispensar os cidadãos imigrantes, hoje e no futuro, para que a nossa comunidade funcione e as nossas necessidades essenciais possam ter resposta.

Portanto, sejamos hospitaleiros e solidários, como sempre fomos como povo.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Vivemos atualmente na Região um contexto de estabilidade política, fruto da expressão clara da vontade dos madeirenses e porto-santenses nas recentes eleições regionais.

A estabilidade não é, por si só, condição ou garantia de sucesso governativo.

Mas permite certamente dois benefícios democráticos: a quem governa, maior tranquilidade para executar o seu programa e, a quem elege, uma maior exigência com os nossos governantes, a quem não se compreenderão desculpas ou pretextos para a ausência de respostas.

Assim, permitam-me uma breve reflexão sobre algumas situações que considero que podem ser melhoradas na vida da nossa Região e que, no atual contexto, deverão ter uma evolução positiva.

E, confesso-vos, a questão que mais me preocupa é a persistência de algumas desigualdades sociais.

A Autonomia possibilitou, em passo acelerado, o acesso da generalidade dos cidadãos à satisfação das suas necessidades básicas, a cuidados de saúde modernos, a uma habitação condigna, a uma educação inclusiva e a uma oferta cultural ampla, numa sociedade muito menos desigual e injusta.

Ainda assim, o desenvolvimento da nossa terra não chegou para que alguns dos nossos concidadãos atinjam as condições de vida condignas que todos merecem, e que o crescimento económico deveria permitir.

Mas recuso-me a aceitar o retrato negativo, baseado em critérios muito discutíveis, que tentam traçar para a nossa Região.

Prefiro antes reconhecer os esforços do Governo Regional, das autarquias locais e das IPSS para a correção dessas carências – ao nível dos rendimentos de trabalho, do direito à habitação, do acesso aos bens essenciais – desejando que sejam bem sucedidos.

            Outra questão que devemos melhorar, e muito, é a constrangedora estatística que coloca esta Região Autónoma, ano após ano, no topo das estatísticas do crime de violência doméstica, de que resultam danos físicos e psicológicos em tantas mulheres, quantas vezes fatais ou indeléveis.

Numa sociedade ordeira e pacífica como a nossa, a persistência desta anormalidade deve ser intolerável para todos.

E, se a responsabilidade por comportamentos individuais é sobretudo dos cidadãos, penso que também as entidades públicas poderão fazer um maior esforço para prevenir e reprimir este drama, intensificando o apoio às vítimas deste flagelo.

Partilho também convosco outro tema que considero essencial: a necessidade de valorização da participação das mulheres na política.

Já o disse e volto a repetir: a sistemática sub-representação das mulheres na política é mais que um problema de mera diversidade ou moda.

É uma verdadeira questão de qualidade e profundidade da Democracia.

Num momento em que nas nossas universidades, nos tribunais, nos hospitais e nas empresas, as mulheres, ou estão em maioria, ou se equiparam aos homens, em número e na partilha de responsabilidades, a política continua a ser um espaço em larga medida masculino.

            É uma situação que deve evoluir rapidamente, sobretudo num momento em que se questiona tantas vezes a qualidade e as motivações de muitos dos nossos políticos.

            Não tenho qualquer dúvida de que será entre as jovens de hoje que vamos encontrar muitos dos nossos líderes no futuro, assim lhes seja dada verdadeiramente essa oportunidade; o facto de recentemente se ter consagrado a paridade dos candidatos a deputados regionais vai ser mais um instrumento útil para alcançar esse objetivo.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Comemoramos hoje o dia de uma Nação com mais de 800 anos de história. Quem tem atrás de si quase nove séculos acumulados de memórias, tem a capacidade de tudo colocar em perspetiva.

Enquanto País já vimos e experimentamos de tudo. Mas isso não nos pode tornar insensíveis às novidades que o devir dos tempos nos vai trazendo.

Quem imaginaria que, em pleno século XXI, teríamos chegado a um ponto tal no nosso Mundo que o Santo Padre, recém-eleito, numa das suas primeiras orações públicas, sentiria necessidade de voltar a apelar ao fim de uma «III Guerra Mundial aos pedaços»?

Ucrânia, Gaza, Síria, Iémen, Sudão, Caxemira, Myanmar, entre outros; locais onde, com maior ou menor intensidade, os povos passam pelo flagelo da guerra.

E assistimos a isto enquanto, ao mesmo tempo, parecem ruir alianças que julgávamos inabaláveis. Talvez seja unicamente mais uma fase neste longo caminho da História, mas o certo é que o recente afastamento transatlântico teve, pelo menos, o condão de despertar uma Europa que, concentrando-se no aprofundamento da vertente económica, parecia esquecida de assegurar a sua defesa.

Ora é inequívoca a necessidade de aumentar a despesa pública na área da defesa. Esta é uma conclusão fácil de alcançar. Muito mais difícil será perceber como financiar tal despesa.

Num momento em que pululam clivagens, impõe-se que os decisores políticos encontrem um chão comum, façam pontes e tenham a sabedoria de alcançar, de uma forma coordenada, uma solução, que dando resposta às necessidades de segurança interna e externa, não deixe, dentro de fronteiras, ninguém para trás, nem ponha em causa o Estado Social.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

As comemorações do 10 de junho na Madeira integram tradicionalmente dois momentos que considero, cada um a seu modo, particularmente significativos.

Há três dias, nesta sala, tivemos ocasião de ouvir e premiar os três primeiros classificados no concurso literário dedicado ao Dia de Portugal.

Trata-se de uma iniciativa que tem sempre contado com a presença e com o apoio do Senhor Secretário Regional da Educação, Ciência e Tecnologia, a quem muito agradeço, e que pretende distinguir trabalhos de alunos das escolas da Região.

É o meu modesto contributo para motivar os alunos a refletirem sobre o nosso País, a nossa História e a nossa identidade.

É, também, uma homenagem sentida ao trabalho de tantos professores que conseguem continuamente motivar os nossos jovens.

Bem hajam.

O segundo momento é a entrega das condecorações atribuídas por S.Exa. o Presidente da República.

Neste dia 10 de junho, foram condecorados pelo Senhor Presidente da República, sob minha proposta (que só a mim me responsabiliza, mas quero agradecer a contribuição do Senhor Presidente do Governo Regional), três individualidades e duas instituições, que se destacaram pelos seus feitos e contributos para uma sociedade melhor.

Serão em seguida condecorados:

- a Dra. Maria Martins Góis Ferreira;

- o Professor Raimundo Quintal;

- o Engenheiro Paulo Rocha da Silva;

- o Externato da Apresentação de Maria;

- a Escola Secundária de Francisco Franco.

Julgo que os méritos das personalidades e das instituições hoje distinguidas são públicos e notórios: o trabalho social persistente, ao longo de décadas, em prol dos cidadãos mais desfavorecidos; a defesa intransigente e corajosa do ambiente, através da produção científica, da divulgação pedagógica e da intervenção cívica, o trabalho de décadas em prol da defesa e sustentabilidade dos recursos naturais da Região, sempre com a preocupação de valorizar as nossas tradições e as zonas mais recônditas das ilhas, e a prática de um ensino de qualidade, promovendo o conhecimento e a excelência, em prol de gerações de estudantes.

Mas, mais importante que destacarmos percursos passados, devemos ver nos condecorados uma referência para o futuro.

E olhar para o seu trabalho e dedicação à comunidade como um exemplo que fica para as novas gerações, e para os tempos exigentes que nos aguardam.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O Mundo, o nosso País e esta Região Autónoma atravessam tempos atípicos. Sentimo-nos, tantas vezes e em tantos aspetos da vida, num território desconhecido, que desafia as nossas certezas e desperta os nossos receios em relação ao que o futuro nos vai trazer.

Nunca os versos de Luís Vaz de Camões foram mais atuais “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (…) Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança”.

Mas temos, todos, e sobretudo aqueles a quem a Comunidade confiou a missão de conduzir o nosso destino coletivo, de continuar a trabalhar para, naquilo que depende de nós, tornar melhores as condições de vida dos nossos concidadãos, mais justas as relações entre todos e mais desenvolvido este nosso País e, em particular, esta nossa Região, dos quais tanto nos orgulhamos.

Porque hoje, e aqui termino, ainda mais se evidencia o nosso destino comum – Sentir a Madeira, Cumprir Portugal, Construir a Europa.

Viva a Região Autónoma da Madeira.

Viva Portugal.