DISCURSO DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA POR OCASIÃO DO DIA DO CONCELHO DE PONTA DO SOL, CELEBRADO A 8 DE SETEMBRO DE 2024
Começo por cumprimentá-la, Senhora Presidente da Câmara, agradecendo o convite para, mais uma vez, celebrar, consigo e com todos os nossos conterrâneos, este Dia maior da terra que nos viu nascer.
Como Representante da República, tenho sempre procurado responder afirmativamente aos convites que os senhores autarcas me dirigem para partilhar os dias de festa dos Municípios desta Região Autónoma.
E faço-o sempre com imensa alegria, porque é na Festa de cada concelho que verdadeiramente se apreende o melhor da nossa Terra e o mais genuíno da nossa comunidade, nas pequenas especificidades locais que, somadas, constituem a identidade madeirense e porto-santense.
Dito isto, permitir-me-ão certamente os senhores autarcas convidados que vos diga que é sempre uma sensação particular estar aqui, a celebrar esta terra que, como se escreve nas Saudades da Terra, é “uma ponta onde o Sol dá primeiro”.
Porque, também para mim, foi sempre o primeiro dos lugares.
O lugar onde nasci e vivi a infância.
Aqui reconheço o mar, a serra, a memória da família e do convívio com os amigos, os que mantive pela vida fora, os que partiram mais cedo e os muitos que emigraram à procura de uma vida melhor.
Relembro tudo e volto a casa.
E agradeço-vos por isso.
Minhas senhoras e meus senhores,
Estar hoje aqui faz-me regressar aos dias felizes da infância, mas também me traz à memória quão difíceis eram esses tempos para tantos de nós.
Neste ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de abril, é fundamental lembrar.
Lembrar o que era a falta de Liberdade, a ausência de Democracia e a ameaça sempre presente da repressão, que também aqui fez as suas vítimas, como a Sãozinha, cuja imagem ainda conservo.
Lembrar o que eram as carências mais básicas, desde o pão na mesa aos cuidados de saúde mais elementares, que provocavam uma mortalidade precoce que é hoje quase inconcebível.
Lembrar as enormes desigualdades sociais, que tornavam quase impossível à grande maioria das pessoas darem aos filhos uma vida melhor e, aos poucos que o conseguiam, exigiam sacrifícios pessoais enormes.
E é lembrando, e explicando aos mais novos o que eram esses tempos, que percebemos que aquilo que a Liberdade, a Democracia e a Autonomia nos trouxeram não tem preço, nem pode ter regresso.
Porque, quando a Democracia falha, a Liberdade perde-se, a Comunidade regride e as pessoas sofrem.
Não posso esquecer aqui também os acontecimentos da Venezuela, que tão duramente têm atingido tantos dos nossos conterrâneos.
Sei bem da particular importância que a emigração para a Venezuela tem no Concelho da Ponta do Sol, como aliás em todos os concelhos desta Região Autónoma.
Sei também como muitas das famílias deste Concelho têm membros na Venezuela, e como as pessoas são bem integradas na comunidade quando regressam, mesmo depois de décadas de ausência.
Neste ano em que comemoramos os 50 anos do nosso regime democrático, desejo que os problemas na Venezuela se resolvam, e a sua população, na qual existem tantos madeirenses, possa voltar a viver em paz e prosperidade.
Minhas senhoras e meus senhores,
O facto de hoje ser dia de festa não pode fazer ignorar a tragédia dos incêndios que assolaram a nossa Região neste último mês, e constituíram uma catástrofe.
Também a Ponta do Sol foi duramente atingida, no seu património florestal e nos terrenos e haveres de muitos dos seus munícipes. (Não esqueço as suas declarações, Senhora Presidente, quando o incêndio lambia as duas margens da nossa Ribeira, o que me fez recear a repetição de 2016, quando o fogo desceu pela Ribeira de João Gomes e entrou no centro do Funchal, ceifando vidas, casas e bens).
Comungando da dor de quem passou por momentos de aflição, e de quem viu o fogo ameaçar os seus bens durante dias a fio, a todos dirijo uma palavra de amizade muito especial.
Permitam uma palavra particular de solidariedade para os habitantes da Fajã das Galinhas. Foram obrigados a deixar as suas casas e os seus animais, mas guardam a esperança de encontrarem o mais rapidamente possível uma solução digna que permita encarar o futuro com segurança.
Nunca é demais também tornar a agradecer publicamente àqueles que com todas as suas forças contribuíram para que a desgraça não fosse maior e que trabalharam, e continuam a trabalhar todos os dias, para que a vida da comunidade retome a normalidade.
Agradecer a todos os elementos da Proteção Civil, em especial aos Bombeiros, da Região, dos Açores e do Continente, bem aos dos meios aéreos, que nunca cederam nem às chamas, nem ao desânimo, nem à exaustão de dias seguidos de combate.
Agradecer a todas as entidades públicas, especialmente aos incansáveis autarcas, que lutaram e sofreram em conjunto com os cidadãos que neles depositaram a sua confiança.
Agradecer às forças de segurança, PSP e GNR e Polícia Florestal, que, em situações limite, arriscaram a vida no combate ao fogo, em nome do dever de proteção das populações.
Agradecer às Forças Armadas, sempre disponíveis e eficientes no socorro e amparo à Comunidade.
Agradecer às muitas organizações de voluntariado e assistência, especialmente a Cruz Vermelha Portuguesa.
E verificar a nossa resiliência e determinação, o desejo de repor o que foi danificado, para que a nossa Ilha continue a ser um local de natureza exuberante e de bem-estar para nós e para quem nos visita.
Não resisto a vos dizer da emoção, diria, a comoção que senti quando visitei a Boca da Corrida, ao verificar que junto ao Nicho dedicado a São Cristóvão, numa terra ainda mal arrefecida, ondulavam pequenas plantas endémicas que os funcionários camarários tinham acabado de plantar.
Bem hajam todos!
Dito isto, é imperioso que, a partir de agora, possamos refletir sobre o que sucedeu, e sobre o que podemos fazer para, no futuro, não passarmos de novo por situações semelhantes.
Perante a vastidão da área ardida, um pouco mais de 5000 hectares, não se terem perdido vidas humanas, nem primeiras habitações, nem um número muito significativo de animais ou culturas agrícolas, nem a Laurissilva ter tido impactos expressivos na sua integridade e biodiversidade, foi um resultado que se deveu provavelmente ao esforço e coragem de todos os envolvidos no combate, à estratégia seguida pelas entidades públicas e à alteração benévola das condições meteorológicas.
O que sei é que, se não corrigirmos aquilo que depende de nós corrigir, bem podemos recear não ter a mesma sorte no futuro.
Minhas Senhores e Meus Senhores
E ainda que, confessadamente, de combate a incêndios pouco entenda, permitam-me contribuir para a necessária reflexão partilhando convosco três certezas que tenho como evidentes.
A primeira, se dúvidas ainda houvesse, é que as alterações climáticas vieram para ficar.
A repetição a que temos assistido de, ano após ano, se conjugarem os vetores de calor, vento e humidade, que constituem o habitat perfeito dos fogos florestais, torna evidente que este contexto deixou de ser excecional.
Se continuarmos a agir como até aqui, teremos fatalmente os mesmos resultados, e com consequências porventura muito mais graves do que as do último mês.
A segunda certeza que tenho é a de que, neste como noutros assuntos, o mais correto, o mais seguro e o mais barato é sempre apostar na prevenção.
Pelo que é importante que os especialistas se pronunciem sobre formas de vigilância eficaz e permanente das nossas serras – sejam torres de vigias, aumento de recursos humanos na vigilância da natureza, drones, meios aéreos tripulados, faixas corta-fogo e outros mecanismos que internacionalmente se recomendam.
Como será importante que algumas práticas que, embora culturais, como engenhos pirotécnicos, queimadas agrícolas ou fogueiras na floresta sejam no atual contexto desaconselhadas, e venham a ser estritamente controladas, com recurso a todos os mecanismos legais.
E terá de se ponderar também o que podemos fazer para melhor preparar o território para a ameaça acrescida de incêndios.
Finalmente, a última certeza que vos deixo é que este debate é, tem de ser, muito mais técnico do que político.
É imperioso que os poderes públicos, todos os poderes públicos, trabalhando em conjunto e cada vez mais próximos das populações que os elegeram, possam ouvir os técnicos e concertar estratégias de intervenção de longo prazo, que permitam dar solução aos problemas que envolvem os incêndios florestais.
Porque, ainda que com naturais, saudáveis e democráticas divergências pontuais, deve sempre prevalecer aquilo que justifica e legitima todos os poderes públicos sem exceção - o Bem Comum e o supremo interesse das populações que representam.
E só assim conseguiremos verdadeiramente aproximar os cidadãos, todos os cidadãos, da política e da participação cívica, e evitar o sucesso da demagogia e do populismo que nascem da indignação e do descontentamento.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Celebrar o dia do concelho é, sempre, festejar aquilo que somos como comunidade e olhar para o futuro com esperança renovada.
E creio bem que, passado o susto dos últimos dias, os pontassolenses podem estar hoje felizes.
Vendo o muito que se conseguiu.
E acreditando que os dias de amanhã serão ainda melhores.
Parabéns a todos.
Viva a Ponta do Sol!
Viva a Madeira!
Viva Portugal!