Discurso na Sessão Solene do Dia do Concelho de Machico

DISCURSO PROFERIDO PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA NA SESSÃO SOLENE DO DIA DO CONCELHO DE MACHICO, NO DIA 8 DE MAIO DE 2024    

Agradeço o amável convite de V. Exa., Senhor Presidente, para partilhar convosco este momento de celebração do Dia do vosso Concelho, o dia maior do Município e do seu povo.   

Saúdo neste dia todos os cidadãos de Machico, na Cidade e na diversidade de todas as suas freguesias, desde Água de Pena ao Porto da Cruz, do mar do Caniçal às montanhas do Santo da Serra.

Saúdo também aqueles que estão emigrados nas quatro partidas do Mundo, desde a África do Sul à Austrália, da França à Venezuela, e que nunca esquecem a terra onde nasceram.     

E cumprimento igualmente as instituições do Concelho, os seus empresários e os seus representantes eleitos, que trabalham, todos, para que o futuro desta Comunidade possa ser melhor a cada dia.

Regressar a Machico é, para mim e para muitos madeirenses, um pouco como uma celebração do retorno à nossa origem.

À nossa origem que começou a ser contruída há já seis séculos, quando a esta baía predestinada chegaram os primeiros de nós: portugueses e, a partir dai, também orgulhosamente madeirenses.

Como descreve Tolentino Mendonça, Machico é “Uma paisagem muito ao longe / quando se regressa / continuamos a vê-la no escuro / fechamos os olhos, / sentimo-nos vivos na sucessão dos séculos”.

Neste lugar privilegiado de memória, o Dia do Concelho de Machico é o tempo e o local adequado para celebrar tudo o que os madeirenses e porto-santenses fizeram na transformação desta terra, e aquilo que alcançámos como Comunidade.

Em particular, neste ano em que evocamos os 50 anos da Revolução de Abril, que deu finalmente ao povo da Madeira e do Porto Santo o direito de ser dono do seu destino, é fundamental celebrarmos o muito que a Liberdade e a Democracia nos trouxeram. 

Vejo hoje, com espanto, a opinião expressa por alguns, própria de quem não tem memória, que estávamos melhor antes de 1974, e que seria aceitável voltarmos a ter um regime não sufragado em eleições livres desde que liderado por uma qualquer figura providencial.

Por imperativos profissionais da minha carreira de magistrado, tive ocasião de percorrer o país ainda antes do 25 de Abril, desde a ilha de São Jorge, nos Açores, a Trás-os-Montes e ao Alentejo profundo.

E, de entre aquilo que me lembro da forma como o nosso Estado estava organizado e o nosso povo vivia, não vejo de que se possa ter saudades.

Nem da falta de Liberdade de expressão, nem da censura, nem das desigualdades sociais profundas, do analfabetismo, que vitimizava com especial incidência as mulheres, e da falta das necessidades sanitárias mais elementares. 

Menos ainda das condições de vida totalmente indignas em que vivia a maioria das famílias, sob a indiferença de uma elite autocrática que preferia exaurir os recursos do país e a esperança de futuro numa guerra injustificável e vã, que dizimou milhares e milhares de jovens da minha geração.

Permito-me, portanto, nestas breves palavras, evidenciar três conquistas essenciais de Abril.

A primeira é a própria Democracia, esse direito fundamental de formarmos e expressarmos a nossa opinião, escolhermos livremente as opções da nossa Comunidade, e elegermos quem vai exercer o poder em nosso nome.

Essa Democracia que tanto prezamos e que nos torna, a todos, corresponsáveis pelo nosso futuro comum.

Sabemos que a Democracia tem problemas, como as imperfeições do sistema eleitoral, o difícil equilíbrio da organização económica e social, a difícil concretização do Estado social que deixa franjas importantes da nossa população no limiar da pobreza, ou o funcionamento da Justiça e do Estado de Direito, sempre melhoráveis. 

Não desconhecemos que, fruto dessas imperfeições, exponenciadas numa sociedade livre globalizada, têm surgido radicalismos, populismos e uma pulverização de forças partidárias que tornam o exercício do poder cada vez mais instável e geram dúvidas e inseguranças.

Tenho, porém, a absoluta certeza de que a Democracia encontra sempre o caminho certo. 

Nas dificuldades, a única solução é sempre a mesma: mais e melhor Democracia.

A segunda conquista que a Revolução dos Cravos nos trouxe, e que hoje quero destacar, foi a Autonomia Política da Madeira e dos Açores.

Plasmada na Constituição de 1976, a Autonomia não foi apenas uma evolução da organização política do nosso Estado democrático, ao encontro das aspirações históricas das populações insulares.

Foi, podemos hoje assegurar, o ponto de partida para a consolidação plena da identidade das regiões insulares e para a possibilidade de se poderem concretizar, em liberdade, as opções de futuro.

Foi, também, a oportunidade para assumirmos de pleno direito a responsabilidade pelas nossas diferenças e especificidades, tomando por vezes caminhos distintos do resto do país.

Falar em Autonomia é evidenciar o direito à diferença, e o direito a inovar, sem ficarmos dependentes de um poder central distante e desconhecedor da nossa realidade.

E desta forma construir o desenvolvimento das Regiões Autónomas, sem nunca colocar em causa, antes reforçando, a unidade nacional, hoje diversa sem deixar de ser coesa.

Se vemos hoje concluídas infraestruturas fundamentais, se temos um Centro internacional de negócios e uma Zona Franca consolidados, se conseguimos potenciar os fundos estruturais para atingir um desenvolvimento económico e social inegável, devemo-lo à Autonomia, logo devemo-lo à Revolução cujos 50 anos agora se comemoram.

Finalmente, permitam-me referir um último aspeto que considero fundamental no legado do 25 de abril – o poder autárquico democrático.

Para qualquer cidadão, o principal para assegurar uma qualidade de vida digna são as coisas banais do quotidiano: a água na torneira, a recolha do lixo, a rede elétrica, o saneamento básico, a estrada para o carro até casa, os transportes públicos, a vereda para chegar à fazenda, a água de giro, os apoios para as pequenas obras domésticas.

Tudo isto, que tomamos hoje como certo e garantido, não existia para a maioria das famílias madeirenses em 1974; nem água canalizada, nem instalações sanitárias, nem tratamento de lixo, nem transportes escolares, nem luz no “caminho” …

A escolha democrática dos “homens bons”, que a Constituição de 1976 trouxe, possibilitou poder-se dotar os municípios e freguesias de competências e meios que permitem hoje uma gestão mais eficiente, porque mais próxima, dos recursos públicos.

E que seria do património local, da preservação das tradições das pequenas comunidades locais, do apoio ao desporto de formação, se não fosse o trabalho de suporte das autarquias junto de numerosas associações e clubes?

Permitam-me, por conseguinte, sintetizar esta minha breve reflexão numa pergunta:

Alguém seriamente duvida que somos hoje mais realizados, mais felizes e que temos mais esperança no futuro do que antes do 25 de Abril?

Estamos num novo ciclo eleitoral, em que, uma vez mais, a nossa Comunidade será chamada a decidir o que pretende para o futuro, quais as prioridades e quais os protagonistas. 

Reitero que são hoje evidentes os imensos benefícios que a Democracia e a Autonomia trouxeram à nossa terra.   

A melhor forma que temos de preservar, garantir e defender essas conquistas é participarmos no processo democrático.    

Por isso, apelo a todos os que têm o direito de votar que considerem que também têm o dever de o fazer, pois só assim poderão, com o seu voto, que é no fundo a sua arma, influenciar os destinos da nossa Terra.   

Aos cidadãos que agora se candidatam para, através dos partidos políticos e em nome da Comunidade, tomarem as opções que decidirão aquilo que a nossa Região Autónoma será nos próximos anos, desejo que possam, em ambiente de calma e civismo, como sempre tem acontecido, apresentar as suas propostas.  

E que, uma vez eleitos, tenham sempre claro o único propósito legítimo do exercício de cargos públicos- a defesa do supremo interesse das populações.  

Nesse desígnio, entre temas tão vastos, pergunto se não será tempo de se ponderar a consagração do voto em mobilidade e o voto dos nossos emigrantes.

 Minhas senhoras e meus senhores,     Felicito-vos a todos, com alegria, neste Dia do Concelho.     

Viva Machico. 

Viva a Região Autónoma da Madeira.   

Viva Portugal.     

Machico,8 de maio de 2024