Conferência da Ordem dos Engenheiros  : “PORTUGAL E O MAR - A ENGENHARIA AZUL”

Conferência da Ordem dos Engenheiros  

“PORTUGAL E O MAR - A ENGENHARIA AZUL”  

Centro de Congressos da Madeira, Funchal  

1 e 2 de junho de 2023  

 

Intervenção do Representante da República para a Região

Autónoma da Madeira  

 

Começo por, na pessoa do Sr. Bastonário, felicitar a Ordem dos Engenheiros pela organização desta Conferência “Portugal e o Mar – A Engenharia Azul”.  

Dirão que sou suspeito, mas não consigo lembrar-me de um melhor local para falar de Portugal e do Mar do que nesta ilha que, não por acaso, muitos apelidam de ‘pérola do Atlântico’.  

Aprendíamos nos manuais que uma ilha é um pedaço de terra cercado de água por todos os lados.   

Pela minha parte, que aqui nasci e cresci até ter de sair para prosseguir os meus estudos, sempre preferi pensar que uma ilha não está cercada – está, isso sim, em contacto com o mar por todos os lados.  

 Voltarei ainda a esta ideia, que julgo ser de sublinhar, pois acredito que a condição de insularidade não pode ser vista como uma limitação, mas sim como uma oportunidade a agarrar.   

Agradeço o convite que a Ordem dos Engenheiros me endereçou para intervir nesta Sessão de Encerramento. Conhecendo a minha formação, o Sr. Bastonário certamente perdoar-me-á se a minha intervenção não se centrar essencialmente em matérias de engenharia, ou melhor na engenharia azul, na energia verde, temas aprofundados por especialistas de renome que nos apontaram caminhos fundamentais para o aproveitamento das potencialidades do mar, tentando que ele deixe de ser esse eterno desconhecido.  

Permitam-me que me congratule com o esforço feito, pois eu estou convencido de que o mar será uma oportunidade única para, com as suas potencialidades inesgotáveis, contribuir para um Mundo com esperança.  

Gostaria de dedicar breves momentos a algumas questões jurídicas que considero importantes para a nossa Região e que tiveram o Mar como elemento essencial.  

No exercício das minhas competências, assinei em finais de 2021 o Decreto Legislativo Regional que aprovou o novo regime jurídico da Reserva Natural das Ilhas Desertas. Posteriormente, em finais de abril de 2022, assinei o diploma que aprovou o novo regime jurídico da Reserva Natural das Ilhas Selvagens.  

Em ambos os casos, procurou o legislador regional atualizar regimes que há muito vigoravam e que entendeu por bem revisitar.   

Devo referir que nenhum dos mesmos me suscitou quaisquer dúvidas ou reservas de constitucionalidade.  

Aliás, cometendo o pecado da auto-citação, aquando da assinatura do decreto legislativo regional respeitante às Ilhas Selvagens, tive a oportunidade de referir que este constituía «um importante passo na proteção de toda aquela área ecológica».  

Como foi então noticiado, a zona protegida das Ilhas Selvagens multiplicou-se, tendo crescido 27 vezes, sendo agora uma das maiores áreas protegidas do mundo e a maior do Atlântico Norte.  

Está em causa a consagração de um regime de proteção completa: o estabelecimento de uma ‘reserva integral’. Entenda-se, como tal, um extenso regime de preservação ambiental, ao abrigo do qual, diríamos, vigora um princípio de uma quase abstenção de atuação humana sobre o território.  

Se assim se pode dizer, este foi um merecido prémio atribuído aos 50 anos da classificação da reserva das Ilhas Selvagens.  

Bem entrados no século XXI, creio que o esforço pela salvaguarda dos ecossistemas e da biodiversidade tem de ser uma prioridade de todos, em particular dos que maiores responsabilidades têm. Coloco nesta esfera não apenas agentes públicos, mas também os que na atividade privada podem – e devem – contribuir para a defesa do meio-ambiente.  

No que diz respeito aos responsáveis públicos, cada qual não deve olvidar o que aos níveis local, regional ou nacional lhe caiba fazer para a proteção da nossa casa comum.  

Na Região Autónoma da Madeira, o alargamento da proteção em torno das Ilhas Selvagens constitui mais um passo nesse sentido. Passo que não pode deixar de ser aplaudido.  

E se chamei à colação os diferentes níveis de governação, fi-lo porque a discussão em torno das competências do Estado e das Regiões Autónomas respeitantes à gestão do domínio público marítimo não se encontra totalmente encerrada.  

Refiro-me, naturalmente, aos impactos do Acórdão n.º 484/2022, do Tribunal Constitucional, que deliberou sobre a constitucionalidade de uma norma da Lei de Bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional.  

A norma em questão, introduzida na referida lei no seguimento de uma alteração legislativa de janeiro de 2021, dispunha que «[o]s instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional que respeitem à plataforma continental para além das 200 milhas marítimas são elaborados e aprovados pelo Governo (leia-se, Governo da República), mediante a emissão de parecer obrigatório e vinculativo (sublinho) das regiões autónomas, salvo nas matérias relativas à integridade e soberania do Estado.»  

Face à versão originária da lei – que previa uma mera auscultação das Regiões – a Lei n.º 1/2021, de 11 de janeiro, e particularmente tal norma, marcariam um avanço nas competências regionais.   

Como é sabido, o Tribunal Constitucional veio a julgar inconstitucional a disposição em causa.  

Entenderam os Senhores Juízes Conselheiros que a redação da referida norma comprometia e punha em causa o exercício do poder de ordenamento do espaço marítimo nacional. Acrescentam que este poder pertence, por inerência, ao titular do domínio público marítimo, ou seja, ao Estado.  

Não entrarei nesta ocasião em detalhes que aqui não cabem quanto ao estatuto de dominialidade a atribuir às diferentes zonas marítimas – incluindo o mar territorial, a zona económica exclusiva e a plataforma continental – e o âmbito das competências respeitantes a tais zonas que podem ser atribuídas às Regiões, por oposição às que devem ser retidas pelo Estado.  

Mas entendo chamar a atenção para o facto de o mencionado Acórdão n.º 484/2022 não ter sido subscrito unanimemente pelos Senhores Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional.   

E porque ajuda a ilustrar o entendimento de que a mencionada repartição de competências não é um tema encerrado, atrevo-me a citar uma das declarações de voto de vencido, a do seu Presidente:  

«Na minha maneira de ver, é perfeitamente justificado o reforço de poderes das regiões autónomas no que toca ao ordenamento do espaço marítimo nacional, cuja dimensão, várias vezes superior à do território nacional, se fica a dever, em larguíssima medida, à existência e localização dos Açores e da Madeira.».  

Sublinho que esta é também a minha maneira de ver.  

Note-se que esta parece ser também a posição de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, quando, ao devolver inicialmente o diploma à Assembleia da República, afirmou:  

 «não considerar haver razões suficientes para, à luz da jurisprudência constitucional, aliás acompanhada, de forma claramente maioritária, pela doutrina, suscitar a fiscalização preventiva da inconstitucionalidade».  

Com estas notas sobre eventos passados, pretendo sublinhar o seguinte: mostra-se cada vez mais necessário proceder à clarificação das competências das Regiões Autónomas sobre a gestão do domínio público marítimo.  

Sem colocar em causa a integridade e a soberania do Estado, mas também sem ceder a tentações de centralismo.   

É, portanto, tal como este mar que nos banha, um tema vivo, ao qual devemos a nossa melhor atenção.  

Encaminho-me para o fim da minha intervenção. E queria terminar recuperando a ideia com a qual comecei.  

Uma ilha só está cercada pelo mar se se render ao fatalismo da sua condição de insularidade.   

Ao invés, se se entender o mar não como uma barreira, mas como uma fonte rica em recursos e biodiversidade, como uma via de comunicação, como ficou amplamente demonstrado nesta Conferência, então uma ilha pode estar mais perto de tudo.  

Comemora-se dentro de dias o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.  

N’Os Lusíadas, essa obra maior que, reza a lenda, Luís de Camões teve de salvar das águas após um naufrágio, narra-se a epopeia da descoberta do caminho marítimo para a Índia.  

Tal como nessa época histórica, saibam também as gerações presentes – com o contributo de todos, incluindo dos engenheiros –descobrir no mar um dos caminhos para o nosso futuro.  

Muito obrigado.  

Funchal, 2 de junho de 2023