Discurso proferido na sessão solene do Dia do Concelho de Machico, 8 de maio de 2023

DISCURSO PROFERIDO PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA NA SESSÃO SOLENE DO DIA DO CONCELHO DE MACHICO, NO DIA 8 DE MAIO DE 2023     

Agradeço o amável convite de V. Exa., Senhor Presidente, para estar convosco nesta ocasião, na celebração do Dia do vosso Concelho.     

É sempre com grande honra e gosto que aceito os convites para estar nos Concelhos que têm a amabilidade de me querer presente, para evocar, na solenidade da data, o dia maior do Município e do seu povo.  

Saúdo neste dia todos os cidadãos de Machico.     

Saúdo também, em especial, aqueles que estão emigrados nas quatro partidas do Mundo, desde a África do Sul à Austrália, da França à Venezuela, sem nunca esquecerem a terra onde nasceram.     

E também as suas instituições, os seus empresários e os seus representantes eleitos, que trabalham, todos, para que o futuro desta Comunidade possa ser melhor a cada dia. 

Neste concelho, com a maior costa marítima de toda a Região, o único que vai de Norte a Sul da ilha, e se divide por freguesias tão diversas como o Caniçal, o Porto da Cruz, Água de Pena, Santo António da Serra e com este magnífico vale onde, desde o início do povoamento, floresce esta orgulhosa cidade de Machico.

Celebramos hoje, em festa, os sucessos do ano que passou, renovando a esperança no tempo que há de vir.   

Mas não podemos deixar de estar atentos ao tempo presente, aos sinais de crises políticas, sociais e económicas, ao ressurgimento de movimentos populistas, xenófobos e racistas, à guerra na Ucrânia, à inflação, enfim, a tudo aquilo que pode pôr em causa os nossos valores e direitos fundamentais, atingindo os alicerces do nosso Estado de Direito democrático, opondo a tudo isso a nossa resiliência e a força da nossa Razão.    

Como faço questão de salientar sempre que aqui venho, Machico é uma terra única e distinta, a vários títulos.    

Pelo seu orgulho, que vem de ser a primeira localidade da diáspora portuguesa pelo Mundo, e que se manifesta, desde sempre, em todas as festividades.     

Como tão bem descreve João Reis Gomes no seu romance “A filha de Tristão das Damas” – em boa hora reeditado pelo Arquivo Regional – a propósito do casamento de Colombo, que a imaginação do autor situa na Igreja Matriz em finais do século XV, num quadro de Machico que podia ser atual:    

“O cortejo, saído da igreja matriz de Machico, seguira, na direção do Campo das Corridas, até à capela de S. Roque construída, alguns anos antes, de promessa pela extinção da peste que intensamente grassara nesta vila, e, tomando para o lado norte, regressava pela rua da Alfândega até o ponto de partida.     

Nunca se vira em Machico, nem mesmo no Funchal, solenidade de tanto brilhantismo”.   

Machico é também único pelo seu carácter, que marcou de forma indelével aqueles que aqui nasceram ou por aqui passaram.   

Permitam-me, por conseguinte, que celebre este dia lembrando três personalidades contemporâneas, entre muitas outras que tanto significam para Machico.    

             Primeiro, Tolentino de Mendonça.    

Não apenas o Eminente D. Tolentino, Cardeal e Príncipe da Igreja, mas também o jovem Tolentino, poeta, pensador e sonhador, que cresceu a olhar a Baía de Machico, e aqui compreendeu, como poucos, a essência do Mundo e dos homens.    

Que disse que um dos seus sonhos é “ver, um dia, o silêncio ser declarado Património Imaterial da Humanidade”.    

E nos ensina a todos que, em dias de excesso de ruído, de excesso de imagens, de excesso de disputas, de voragem dos sentidos, o tempo de reflexão é precioso e urgente.   

Recordo igualmente o Padre Agostinho Jardim Gonçalves, de quem se concluiu, na semana passada, a entrega da biblioteca pessoal à Câmara Municipal de Machico.     

Que, embora tenha sido pároco em Machico há bem mais de meio século, e durante apenas um ano, marcou tanto esta terra e foi tão marcado pelas suas gentes, que nunca se esqueceu.     

E quis deixar o seu espólio de mais de 7000 livros e documentos a esta comunidade, que continua a ser a sua, legando-lhe uma vida de trabalho, que atravessou muitos países, procurando construir um mundo mais justo.    

Relembro também o meu saudoso Amigo de juventude e colega de Faculdade João Martins.   

Homem íntegro, jurista eminente, magistrado e professor universitário numa terra bem distante, muito respeitado e admirado em Moçambique que lhe consagrou um funeral de Estado, nunca deixou de ser um machiquense e um madeirense orgulhoso.     

Nos termos do nosso quadro constitucional, é fundamental, como recordou Sua Excelência o Presidente da República, em 2017, “defender e levar mais longe o poder autárquico democrático”. 

É, pois, através dele, porque mais próximo dos cidadãos e dos seus problemas, que se cumpre o objetivo último da política: resolver as necessidades das pessoas e construir um futuro melhor para a Comunidade.   

Tendo esta verdade presente, creio que as razões que nos levam a defender, de forma intransigente, a Autonomia Política das Regiões Autónomas, conquista fundamental de Abril e da Constituição de 1976, são, no essencial, as mesmas que nos convocam para uma defesa determinada dos poderes e do reforço de meios das autarquias locais.     

Em nome desta preocupação, tenho procurado estar atento, nos diplomas emanados dos órgãos próprios da Região Autónoma, nomeadamente da Assembleia Legislativa Regional, à existência de normas que, por qualquer forma, possam colocar em causa as competências das autarquias.     

E foi em defesa das competências do poder local que fui obrigado a levar à apreciação do Tribunal Constitucional dois diplomas, que dispunham, respetivamente, sobre o estatuto social do Bombeiro e sobre a transferência de competências da Região Autónoma para os Municípios em matéria de estacionamento público, por incluírem normas que, assim o determinou o Tribunal, a Assembleia Legislativa Regional não tem competência para aprovar.     

Como já referi publicamente, em ambas as situações, nada tenho a opor às soluções concretas propostas nos diplomas, mas apenas ao processo legislativo adotado, face ao enquadramento jurídico-constitucional atual.  

Gostaria de referir, a propósito desta fundamental questão da descentralização de poderes nos municípios, que vejo aqui uma importante oportunidade de reforço dos poderes legislativos autonómicos.  

Em 2018, a Assembleia da República, no respeito escrupuloso pelas autonomias regionais, decidiu que, nas Regiões Autónomas, tal processo de descentralização não podia seguir o modelo continental e exigia, por isso, Lei habilitante da Assembleia da República, cujo conteúdo deveria ser proposto pela Assembleia Regional respetiva.    

Embora tenham sido dados alguns passos nesse sentido, nunca até à data a nossa Assembleia Regional tomou a iniciativa de propor uma lei quadro para a transferência de competências da Região para os municípios da Madeira e Porto Santo.  

E penso que seria bom que o fizesse.    

Porque há aqui uma oportunidade para encontrar caminhos e soluções próprias, se possível em ambiente de consenso, que envolva todos, Assembleia Legislativa, Governo Regional e a Associação dos Municípios da Região.  

Pois tão ou mais importante que a Autonomia servir para encontrar soluções fáceis ou rápidas, é a possibilidade que temos, na Região, de criarmos normas mais adequadas à nossa realidade específica, que permitam ao Governo Regional e aos Municípios trabalhar com mais eficiência para resolver os problemas concretos da nossa Comunidade.     

Estamos em ano eleitoral, em que, uma vez mais, a nossa Comunidade será chamada a decidir o que pretende para o futuro, quais as prioridades e quais os protagonistas. 

São hoje evidentes os imensos benefícios que a Democracia e a Autonomia trouxeram à nossa terra.   

A melhor forma que temos de preservar, garantir e defender essas conquistas é participarmos no processo democrático.    

Por isso, apelo a todos os que têm o direito de votar que considerem que também têm o dever de o fazer, pois só assim poderão, com o seu voto, que é no fundo a sua arma, influenciar os destinos da nossa Terra.   

Aos cidadãos que se vão candidatar para, através dos partidos políticos e em nome da Comunidade, tomarem as opções que decidirão aquilo que a nossa Região Autónoma será nos próximos anos, desejo que possam, em ambiente de calma e civismo, como sempre tem acontecido, apresentar as suas propostas.  

E que, uma vez eleitos, tenham sempre claro o único propósito legítimo do exercício de cargos públicos- a defesa do supremo interesse das populações.     

Minhas senhoras e meus senhores,     

Felicito-vos a todos, com alegria, neste Dia do Concelho.     

              Viva Machico. 

              Viva a Região Autónoma da Madeira.   

              Viva Portugal.     

Machico, 8 de maio de 2023