Intervenção no 35.º aniversário da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas

INTERVENÇÃO DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA POR OCASIÃO DO 35.º ANIVERSÁRIO  DA SECÇÃO REGIONAL DA MADEIRA DO TRIBUNAL DE CONTAS 

Permitam-me que comece por cumprimentar Sua Excelência o Presidente do Tribunal de Contas – Conselheiro José Tavares – agradecendo o convite que me foi dirigido para participar nesta sessão de abertura.   

Concedam-me também que dirija uma palavra especial ao Senhor Conselheiro Paulo Pereira Gouveia, Juiz Conselheiro da Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas, agradecendo a colaboração institucional que tem prodigado ao meu Gabinete com amabilidade, sentido de dever e imparcialidade. 

E não podia deixar de referir-me ao meu amigo Juiz Conselheiro José António Mesquita, primeiro Juiz desta Secção Regional, que exerceu a sua função de uma forma modelar, com um sentido pedagógico para com todos os organismos da Região confrontados com uma nova realidade, traçando linhas orientadoras de conduta que deixaram um rasto de saudade, de respeito e de admiração de todos os dirigentes dos organismos que se submeteram ao seu juízo.  

            Repito o que já disse, em contexto próximo: (cito) 

 “As Instituições Supremas de Controlo Financeiro, em qualquer país e independentemente da forma como se inserem nos sistemas judiciais nacionais, são tribunais específicos que têm, por isso, uma responsabilidade especial no objetivo primordial de efetivação da democracia.   

Com efeito, os Tribunais de Contas devem ser um farol na divulgação de uma cultura de responsabilidade e de publicaccountability – expressão que tão bem exprime o dever de prestação de contas –, nomeadamente à luz da implementação de políticas de goodgovernance, em tradução rigorosa, políticas de boa governação.   

Essas políticas traduzem-se, entre outros aspetos, numa natural exigência de legalidade financeira que, no entanto, não deve esquecer o mérito da despesa, atendendo, nomeadamente, aos princípios da economia, eficiência e eficácia”. (fim de citação)  

Constitui um dever de todas as entidades públicas prestarem contas do seu desempenho e sobre o modo como despenderam os recursos que lhes estão afetos para a prossecução da sua missão.  

O Tribunal de Contas é a instituição suprema de fiscalização prévia, concomitante e sucessiva das finanças públicas, bem como de julgamento dos responsáveis por infrações financeiras, controlando a legalidade e a boa gestão dos recursos públicos.  

A sua ação incide sobre todos os organismos e entidades públicas administrativas e empresariais e também sobre as empresas e outras entidades privadas concessionárias de serviços e obras públicas ou que recebam dinheiros públicos, em que se incluem as verbas provenientes da União Europeia.  

O Tribunal de Contas é uma das instituições essenciais da nossa Democracia e do nosso Estado de Direito. Mais, é verdadeiramente um farol na divulgação de uma cultura de adoção de boas políticas, determinante para a afirmação da credibilidade, transparência e maturidade democrática de qualquer Estado. 

Essas políticas traduzem-se essencialmente, como se disse, numa enérgica exigência de legalidade financeira. 

Mas, num Estado de Direito Democrático, seja a nível nacional, regional ou local, a realização da despesa pública, efetuada com recursos disponibilizados pela própria comunidade, visa promover a satisfação do bem-estar das populações. Daí que, quando se trata da verificação da atuação do poder político, o exame da legalidade formal pode não ser suficiente.   

Os cidadãos estão, é certo, preocupados em saber se a lei foi cumprida nos gastos públicos, mas também (e às vezes mais ainda) se tais gastos são razoáveis e adequados aos objetivos, isto é, se a lei é respeitada na sua ratio.  

Daí que seja, a meu ver, temerário, prematuro, alardear a necessidade de reduzir as situações de sujeição a visto prévio (ou mesmo de colocar um ponto final nesse instituto, como por vezes também se ouve).   

O visto prévio, assim como as demais formas de controlo financeiro por parte do Tribunal de Contas, constituem momentos essenciais de verificação da legalidade, sim, mas também da probidade administrativa. Este é um conceito pouco divulgado entre nós, mas com fortes raízes noutras paragens e que importa cultivar.   

Na realidade, a improbidade administrativa é um dos principais elementos corrosivos de uma comunidade política, pois revela à perceção pública a ausência do sentido do dever por parte daqueles que têm por função, justamente, proteger e ajudar a fazer prosperar todos e cada um.   

Probidade administrativa é moralidade pública, que se manifesta em condutas que, tantas vezes, têm expressão financeira — porque é perante recursos escassos para o bem-estar de todos que a essa moralidade tem o seu derradeiro teste.   

 Os fenómenos de corrupção andam, de resto, de mãos dadas com a improbidade administrativa. Sem me ater a qualificações jurídico-penais, não posso deixar de assinalar que os últimos anos têm-nos trazido situações muito preocupantes de tal natureza ou similar. 

Sendo certo que a matéria jurídico-penal não cabe ao Tribunal de Contas, o mesmo não deixa de ter um papel insubstituível neste domínio, desde logo pela sua função preventiva da ilegalidade, constituindo sem dúvida um elemento dissuasor de práticas que, não fosse o seu papel vigilante, seriam ainda mais comuns.   

O Tribunal de Contas tem, pois, lugar central na dignificação da vida pública em Portugal, e a sua independência tem sido um valor essencial para esse efeito.  

É enorme, simultaneamente, a vossa responsabilidade. 

Mas, por maiores que sejam as incertezas, os desafios e os riscos de toda a ordem (estou a lembrar-me da execução do PRR, mas não só), conhecendo-Vos, e conhecendo a instituição que compõem, tenho absoluta certeza de que Portugal sempre contará com este Alto Tribunal como garante de um Estado mais transparente, mais criterioso, mais respeitador da legalidade, mais ciente das suas tarefas fundamentais. 

Funchal, 2 de maio de 2023