Cerimónias evocativas Liga dos Combatentes

Alocução proferida pelo Representante da República para a RAM nas cerimónias evocativas organizadas pelo núcleo do Funchal da Liga dos Combatentes: 104.º Aniversário do Armistício da Grande Guerra,  48.º Aniversário do fim da Guerra do Ultramar,  99.º Aniversário da Liga dos Combatentes , realizadas no dia 11 de novembro de 2022, na Avenida do Mar e dos Combatentes.

  

  

Como antigo combatente e membro da Liga dos Combatentes é com muita honra que mais uma vez presido a esta cerimónia.  

Este é um ano de paradoxos.  

Aproxima-se o centenário da Liga dos Combatentes, o que não pode senão alegrar-nos perante a perspetiva de uma celebração fraterna e calorosa.  

Porém, há um ano não pensaríamos voltar a ver trincheiras na Europa. 

Quem imaginaria que, em 2022, em pleno coração da Europa, um Estado soberano seria invadido por outro, em violação dos mais elementares princípios de Direito Internacional e com justificações absurdas e formais que, evidentemente, escondem uma intenção imperialista?  

Assistimos a um retrocesso civilizacional que vem modificar o quadro de segurança na Europa e no Mundo.  

Foi a tendência imperialista da Alemanha e do Império Austro-Húngaro que empurraram a Europa para a guerra. 

Hoje, é a orientação imperialista do poder político russo que se recusa a reconhecer uma Ucrânia soberana, pujante e europeia.  

Não podemos permitir este aniquilamento primário de um povo e de um Estado soberano em pleno território europeu e em pleno século XXI.  

O nosso apoio à Ucrânia é absolutamente essencial: são ajudas que não podemos recusar.  

Uma visão estratégica da Europa impõe-no.  

Mas, sobretudo, impõe-no a luta pela nossa civilização, pelos nossos valores, pela defesa da dignidade humana, da liberdade e da democracia.  

Por tudo isto estamos lá na Roménia com as nossas Forças Armadas e prestamos todo o apoio direto possível à Ucrânia.   

O quadro internacional atual revalorizou a importância da NATO; a NATO reencontrou o seu papel e propósito.  

Este “reencontro” da NATO é muito importante para o reequacionar do papel das Forças Armadas no Mundo de hoje e para a reflexão sobre o conceito estratégico de defesa nacional que as impulsiona.   

Durante longo tempo, o papel internacional das nossas Forças Armadas foi relativizado como se uma espécie de “paz perpétua” na Europa tivesse sido alcançada.  

A participação externa das Forças Armadas limitava-se a missões de manutenção de paz, em diversos pontos do Globo.  

Um tal ambiente, permitiu o repensar do papel doméstico das Forças Armadas.  

Hoje, as Forças Armadas estão também vocacionadas para a resposta a problemas internos, designadamente em situações de emergência e calamidade.   

Vimo-lo recentemente durante a pandemia, em especial na organização do processo de vacinação.  

Mas as Forças Armadas têm um papel central no sistema de proteção civil, tanto a nível nacional como aqui na Região Autónoma da Madeira.  

Mas esta redescoberta do papel doméstico das Forças Armadas, assim como da sua participação em forças de paz noutros territórios, sendo positiva, e mesmo imprescindível, não pode diminuir ou esquecer o seu papel central, a defesa nacional contra ameaças externas à nossa segurança e tranquilidade.  

Hoje percebemos que essas ameaças eram reais, porventura tão evidentes que, ingenuamente, não as quisemos aceitar enquanto tais. Mas saibamos aproveitar estas lições.  

O que exige uma reflexão sobre o modo e o ser das nossas Forças Armadas.  

Antes de mais, reafirme-se que às nossas Forças Armadas devemos um preito de gratidão pelo modo como cumprem as diversas missões, com dedicação e altruísmo, sendo um exemplo para todos, nomeadamente para os nossos jovens. 

Permitam-me focar dois aspetos que considero essenciais: a profissionalização das nossas Forças Armadas e a carreira dos nossos militares.  

No que toca ao primeiro, é fundamental que todos os três ramos das Forças Armadas sejam dotados de meios operacionais adequados face às exigências internas e externas.  

Sendo certo que o nosso País não é de fartos recursos e que há tanto a que responder constantemente, nem por isso se pode deixar de dotar as Forças Armadas de meios humanos e materiais para o cabal desempenho da sua função.  

Aliás, bom seria que a profissão castrense tornasse a ser olhada como uma carreira apelativa, desde logo por parte daqueles que sentem esse apelo; mas também por parte de outros que aqui pudessem encontrar um futuro profissional e um acolhimento institucional reconfortantes nestes tempos de incerteza.  

É aí, creio, que se joga o futuro de umas Forças Armadas que devem continuar motivadas, orgulhosas e plenamente cientes do seu papel.  

Ao assinalar o centésimo quarto aniversário do Dia do Armistício, importa recordar aqueles que combateram na Primeira Guerra Mundial sob a nossa bandeira em África e na Europa ou sentiram as suas consequências, como a população madeirense, que sofreu, impotente, os ataques de submarinos alemães que destruíram vidas, navios, propriedades e, sobretudo, o sentimento de segurança que séculos de distância tinham construído. 

Tal como devem ser recordados – o que também hoje fazemos – os conflitos em que, a partir de 1961, nos vimos envolvidos nos diferentes cenários de guerra nas então chamadas Províncias Ultramarinas de Angola, Moçambique e Guiné. 

Ao assinalarmos o 48.º Aniversário do Fim da Guerra do Ultramar, temos de sublinhar que não se trata de um episódio distante na história dos nossos 800 anos. Uma guerra que, pelas suas características, deixou cicatrizes ainda hoje bem marcadas naqueles que nela participaram. 

Como não podemos esquecer os que atualmente honram a nossa Pátria em missões de manutenção da paz e na defesa dos nossos valores em diversas partes do globo. 

Este reconhecimento não pode ser algo apenas formal ou de circunstância.  

O Estatuto do Antigo Combatente, aprovado pela Assembleia da República em 2020, e objeto de adaptação à Região Autónoma da Madeira já no corrente ano de 2022, constituiu uma etapa fundamental.   

O Estatuto do Antigo Combatente veio atribuir a estes militares – e às suas viúvas ou seus viúvos – uma série de apoios sociais, como um direito de preferência na habitação social, a isenção de taxas moderadoras e a gratuitidade no acesso aos transportes públicos.  

Trata-se de um primeiro passo; mas, e repito o que disse no ano passado, há ainda um longo caminho a percorrer para que, a todos aqueles que necessitem, lhes seja concedido o apoio na doença e nas condições de vida; eles tudo deram por nós e é tempo de lhes dizermos do nosso respeito e da nossa consideração. 

Na luta pela reafirmação dos direitos dos antigos Combatentes, a ação da Liga quer a nível nacional que a nível regional é de enaltecer, 

Ela terá sempre o meu apoio incondicional. 

Neste contexto, é muito difícil compreender e aceitar o que vem sendo noticiado nos últimos dias no tocante ao não recebimento por antigos combatentes deficientes das Forças Armadas do apoio extraordinário de 125 euros e do complemento de 50% da reforma que o Governo introduziu para os pensionistas em geral.  

Desejo e espero que seja concretizada no imediato a prometida reparação desta injusta situação.

         O mesmo se diga relativamente aos atrasos nas próteses que também vêm sendo noticiados.  

Quem pugna internacionalmente pelos direitos humanos e pela democracia tem de olhar para dentro e estar particularmente atento ao seu plano doméstico: o respeito dignidade da pessoa deve começar entre nós.  

Funchal, 11 de novembro de 2022