Intervenção do Representante da República para a Região Autónoma da Madeira na Conferência :
“A importância da arbitragem para o desenvolvimento de uma Região, de um País”
Organizado pelo Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados
Com muita honra aceitei o convite do Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados para intervir nesta sessão de abertura.
Desde logo, por se tratar de um convite formulado por uma instituição tão importante dada a sua missão, e representativa de umas das mais prestigiadas profissões na Região Autónoma da Madeira, que em tanto tem contribuído para a continuidade territorial e para a defesa do Estado de Direito Democrático.
Com efeito, a relação — constitucional e legalmente disciplinada — entre o Direito Nacional e o Direito Regional carece de uma constante observação, como instrumento de garantia. Se uma parte substancial dessa tarefa cabe aos órgãos de governo próprio, ao Representante da República e, claro, aos órgãos de soberania — entre os quais os tribunais —, o papel dos Advogados e da sua Ordem não é menos relevante.
Digo-o não apenas por ser a Ordem dos Advogados uma associação pública, com uma missão consonante com essa natureza, mas também em razão do que é a missão dos Advogados.
Sem advocacia não há efetiva garantia dos direitos humanos, dos direitos fundamentais; não há Estado de Direito Democrático sem advocacia livre, como a nossa Constituição reconhece, aliás.
Em segundo lugar, é com grande satisfação que participo nesta sessão de abertura dada a atualidade e importância do tema da conferência.
A arbitragem é da maior relevância no plano internacional, como é sabido. Na verdade, arbitragem e comércio internacional andam de mãos dadas há séculos, estando aquela no seio da formação das regras deste.
No plano interno, a voluntária e a necessária têm também experimentado uma enorme evolução, que não se deixa explicar simplesmente pela previsão constitucional da possibilidade da sua existência (artigo 209.º/2 da CRP).
A lei da voluntária tem conhecido vários aperfeiçoamentos, tributários de uma experiência adquirida ao longo do tempo e de um crescimento enorme do recurso a este instituto, para o que os Advogados dão um contributo decisivo.
Por outro lado, têm-se multiplicado os centros institucionalizados de arbitragem nos mais diversos domínios, dos conflitos de consumo à propriedade industrial.
Neste âmbito, é incontornável uma referência especial à tributária e à administrativa.
Na tributária, fomos pioneiros na vinculação da administração fiscal à resolução de litígios pela via arbitral, sendo hoje quantitativamente muito expressiva, com vantagens para os contribuintes.
A administrativa, por seu turno, tem conhecido também um crescimento muito acentuado, senão mesmo exponencial. Os centros institucionalizados — em particular, o Centro de Arbitragem Administrativa — têm tido aqui um relevantíssimo papel. Mais: a administrativa ad hoc, envolvendo quer o Estado quer outras entidades públicas, é hoje uma forma corrente de resolução de litígios.
Tudo visto, pode dizer-se que a arbitragem se tornou nas últimas décadas um adquirido da resolução de litígios no Direito Português em alternativa aos tribunais estaduais, para o que muito têm contribuído os atrasos na justiça que ainda hoje constituem um problema — em especial na justiça administrativa e fiscal.
Esta generalização representa também uma democratização deste meio de resolução de litígios. Muitos operadores para os quais este era um instituto desconhecido ou pouco habitual tiveram de se atualizar em termos jurídicos e de se habituar à sua praxis que é em muitos aspetos distinta da judicial. Por outro lado, ela está hoje disponível para uma grande diversidade de sujeitos jurídicos ou partes, de muitos distintos estatutos económico, profissional e social.
Mas há preocupações que não devem deixar-se na sombra, relacionadas com a equidade deste tipo de jurisdição.
Como o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos admite, o artigo 6º da CEDH não se opõe à existência de tribunais arbitrais destinados a julgar certo tipo de diferendos de natureza patrimonial.
Convém, no entanto, distinguir entre a arbitragem voluntária e arbitragem necessária.
Quando é imposta por lei, o tribunal arbitral deve oferecer todas as garantias previstas no nº 1 do artigo 6º da CEDH.
Quando é voluntária, as partes podem renunciar a alguns dos direitos garantidos pela Convenção, como por exemplo, a renúncia ao recurso da decisão, mas é evidente que há um mínimo de condições a respeitar, como a igualdade de armas e do contraditório.
Uma outra fundamental preocupação será a preparação, conduta e escolha dos árbitros.
Estes aspetos são da máxima relevância porque determinam a qualidade das decisões arbitrais e, em última análise, o prestígio do instituto. É fundamental que os árbitros saibam assegurar, na prática, não apenas a sua independência e imparcialidade, mas também uma altíssima qualidade técnico-jurídica das suas decisões, aliada a uma virtuosa capacidade de ponderação.
Outro aspeto é o dos custos do processo arbitral. É compreensível e razoável que os critérios para o respetivo cálculo sejam distintos dos do processo judicial nos tribunais estaduais, associando a arbitragem, em geral, a uma maior capacidade económica das partes e a uma remuneração adequada dos árbitros. Mas é igualmente importante que não faça o seu curso institucional sob o signo de uma “justiça para ricos”, incompatível com a tendência legal para a sua democratização.
Finalmente, das maiores garantias que nos oferecem as decisões dos nossos tribunais comuns são a sua publicidade que permite a crítica e a possibilidade de recurso. A ausência de uma ou outra na arbitragem deve ser motivo de reserva.
Uma região autónoma insular tem sempre características periféricas, por muito que os índices de desenvolvimento melhorem, como exemplarmente tem acontecido na Madeira. O progresso económico e social está sempre fundamentalmente dependente das suas instituições próprias e do desígnio e tenacidade dos seus responsáveis. Daí a importância das autonomias político-administrativas regionais no nosso País.
Como é sabido, não há tribunais regionais. Os que existem nas nossas Regiões Autónomas são tribunais do Estado, e neles se manifestam todas as virtudes e problemas do sistema judicial nacional, aos quais se somam as dificuldades inerentes à descontinuidade territorial de facto, que o princípio jurídico com o mesmo nome visa corrigir.
Devemos, pois, admitir a hipótese de que, ao nível regional, e em particular da Madeira, a arbitragem constitua um importante instrumento do desenvolvimento económico-social e do princípio da continuidade territorial, um instrumento ao serviço da justiça comutativa, mas também da justiça distributiva (para utilizar categorias ancestrais do pensamento jurídico).
Estou certo de que todas estas problemáticas permanecerão no vosso espírito ao longo desta conferência, como terão estado no espírito do Conselho Regional da Madeira da Ordem dos Advogados ao promover este evento, como revela o seu programa.
Desejo a todos uma excelente conferência e estadia na Madeira.
Funchal, 8 de julho de 2022