Intervenção do Representante da República na Jornada de Reflexão sobre Novas Substâncias Psicoativas na RAM – Funchal, 15 de outubro de 2021

Intervenção do Representante da República na Jornada de Reflexão sobre Novas Substâncias Psicoativas na RAM – Funchal, 15 de outubro de 2021

Agradeço antes de mais a V. Exa, Senhor Diretor Nacional, o convite para estar presente nesta sessão de abertura.

E quero começar por saudar a realização desta Jornada de reflexão, que me parece de imensa oportunidade, quer no tema que propõe, quer na forma de abordagem, e até no local onde V.Exa. decidiu reunir um grupo de tão competentes especialistas.

 Com efeito, o tema das novas substâncias psicoativas, os seus impactos e a forma como a sociedade deve perceber, prevenir e combater a sua permanente evolução é algo que, penso-o desde há muito, nos deve preocupar a todos.

E, para esse efeito, parece-me de todo acertada a abordagem multidisciplinar que a Polícia Judiciária propõe nesta Jornada, olhando o fenómeno não apenas na ótica policial e judicial, mas procurando refletir sobre as várias facetas deste flagelo social, buscando explicá-lo nos aspetos científicos e sociológicos, para melhor o enfrentar através da produção normativa e de uma ação preventiva e repressiva eficaz.

Finalmente, creio que a realização desta Jornada no Funchal vem também reconhecer o papel pioneiro que esta Região Autónoma da Madeira teve ao procurar, através da sua autonomia político-administrativa, sancionar o comércio destas substâncias.

            Com efeito, na Madeira, com as especificidades que decorrem da sua insularidade, e tratando-se de uma comunidade de reduzida dimensão, as substâncias psicoativas são responsáveis por situações de verdadeiro drama pessoal, familiar e social.

Para além disso, constituem um fator acelerador da criminalidade incidente sobre pessoas e bens.

            Isso é algo que os responsáveis políticos não podem ignorar, devendo tomar medidas ativas para o combater.

            Estas preocupações fazem parte, há muito, da agenda da Assembleia Legislativa.

E, gostaria, na presença de Sua Excelência o seu Presidente , de realçar e louvar todo o esforço desta Assembleia nesta luta sem fim e sem quartel no combate ao tráfico destas substâncias.

Lembro, entre outros, o papel pioneiro ao ilegalizar aquelas substâncias, proibindo a sua venda livre e comercialização, determinando o encerramento das “smartshops” e criando um regime contraordenacional e ainda as diversas propostas feitas à Assembleia da República e ao Governo da República para a melhoria da legislação de combate a este mesmo tráfico, incluindo, em 2017, a recomendação de total prioridade na sua criminalização.

De certo modo, a RAM sente existir aqui um imperativo ético, pois a insularidade e a reduzida dimensão da comunidade face ao contexto nacional amplificavam o problema no seu território.

E quero dar público testemunho de que, para essa luta, o meu empenho solidário é total.

            Tenho insistido, em diversos momentos, na necessidade de uma maior atenção a esta matéria e às suas implicações, nomeadamente quanto à minha preocupação com algumas tendências recentes de criminalidade e marginalidade na Região, as quais terão explicação no consumo de novas substâncias psicoativas.

             A Região Autónoma da Madeira deve continuar a estar atenta a este problema, pois, como se sabe, apesar de estas substâncias não estarem mais à venda em lojas “smartshops”, de forma livre, elas continuam no mercado, como as drogas clássicas.

            Onde a Região entenda que a legislação nacional não é bastante, e o quadro jurídico-constitucional lhe permita legislar, é perfeitamente legítimo que o faça no campo contraordenacional, dissuadindo condutas potencialmente danosas para o tecido social e para a saúde pública.

Mas é sobretudo fundamental que, a nível nacional, se dedique à questão das novas substâncias psicoativas a atenção que a gravidade de assunto merece, adotando-se as medidas sancionatórias não apenas reativas mas também proativas, porquanto o seu consumo, com taxas equivalentes às chamadas drogas duras e com reações psicoativas semelhantes, levou a um crescente número de casos de emergência, internamentos e mesmo morte.

            No que diz respeito ao problema específico das drogas – sejam elas ‘duras’ ou “leves’ – quase dez anos volvidos sobre a entrada em vigor do inovador diploma regional de 2012, permitam-me uma derradeira reflexão.

Em matéria de estupefacientes e substâncias psicoativas, não podemos ficar pela proibição, temos que continuar a investir na formação e na prevenção do seu consumo.

Por isso, repito, em boa hora realiza a Polícia Judiciária esta Jornada de reflexão, que desejo informada e consequente, para que possamos passar a uma ação cada vez mais rápida e eficaz.

Será, por certo, uma batalha que talvez não possa ser totalmente vencida, mas que vale a pena travar.

Melhor: estaremos muito próximos de uma tarefa para uns Sísifos pós-modernos, pelo que me apetece citar o poeta:

“Recomeça....

Se puderes

Sem angústia

E sem pressa.

E os passos que deres,

Nesse caminho duro

Do futuro

“Dá-os em liberdade.”

Passos em liberdade, sim, no respeito pela legalidade democrática e deixando intocável a dignidade da pessoa humana, razão de ser maior dos direitos fundamentais.