Alocução do Representante da República na sessão de encerramento doXI Congresso do Ministério Público no Funchal, no dia 3 de fevereiro de 2018
É com alegria que me dirijo a Vossas Excelências, na sessão de encerramento do 11.º Congresso do Ministério Público, aqui, na cidade do Funchal.
Na qualidade de Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, quero expressar à Direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, bem como a todos os presentes, o reconhecimento e a satisfação pela escolha desta cidade para a realização do Congresso, que tanto prestigia esta Região.
Este Congresso ficará na memória de todos, não só devido à beleza do Local onde se realizou, mas também, e sobretudo, pela elevação do debate sobre os temas discutidos, num momento tão decisivo para a Justiça em Portugal e parao Ministério Público em particular.
Permitam que um Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça jubilado, mas que iniciou e consagrou quase toda a sua carreira à Magistratura do Ministério Público, assinale o orgulho e redobrada — e cúmplice — amizade com que a todos saúdo por esta iniciativa.
Nunca esqueci, nem esquecerei, a minha relação fraterna com o Ministério Público; fui quase tudo: servi nos Tribunais e demorei-me no Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, pertenci ao Conselho Superior do Ministério Público, eleito pelos meus pares; ajudei a recrutar e a formar, ainda antes do CEJ, elementos para esta magistratura, revendo-me na carreira de muitosdeles, que atingiram os mais elevados patamares.
Assinalou-se há dias a abertura do Ano Judicial, cerimónia da mais alta tradição da República Portuguesa.
As intervenções ali produzidas acentuaram aspetos bem diversos da vida judiciária, sublinhando as preocupações, aspirações e expectativas que, a cada classe, mais de perto tocam.
As intervenções, todas elas muito interessantes, encontraram notável síntese nas palavras contidas no discurso de Sua Excelência o Presidente da República: disponibilidade, empenho, trabalho — eis o que o mundo da justiça precisa; eis o ambiente que o Presidente da República encontrou; eis, pois, o que precisamos para uma área fundamental do funcionamento do Estado.
Julgo não atraiçoar o pensamento de nenhum dos presentes se disser que tal cerimónia reforçou o espírito colaborativo fundamental que deve estar presente em todos os operadores judiciários, e que encontra um profundo reflexo no chamado “Pacto”, ou seja, nos “Acordos Para o Sistema da Justiça” e na criação de um espaço de diálogo e debate permanente, a “Plataforma para a Justiça”.
É, pois, neste contexto que teve lugar o Congresso que agora encerramos, e foi essa a atmosfera de diálogo e colaboração que aqui mais uma vez constatei.
Passaram por este congresso magistrados do Ministério Público, magistrados judiciais, representantes do poder político, académicos, jornalistas — uma pluralidade qualitativa de intervenientes, que enriqueceu os debates e abriu perspetivas para, mais uma vez, refletirmos sobre o papel, ação e estatuto do Ministério Público.
Tem sido longo e profundo, aliás, o debate sobre a revisão do Estatuto do Ministério Público.
Devemos ser otimistas: acredito que isso só pode significar um mais amplo consenso em torno das soluções que, a final, vierem a ser encontradas, o que será um importantíssimo contributo para o próprio Ministério Público, para o funcionamento do sistema de Justiça e para o País.
São tempos desafiantes, os que vivemos.
Porventura, será sempre assim.
Mas hoje há ingredientes realmente novos, e de diversa natureza, que importa trazer para as nossas reflexões.
Em primeiro lugar, será fundamental fortalecer, nesta época de preocupantes desafios, a confiança do cidadão na sua justiça, justiça essa que é administrada em seu nome, para afastar certas aporias que tentam, por vezes, ofuscar o trabalho e a dedicação de todos aqueles que a servem.
Estou convencido que o estudo em preparação não deixará de concluir que o nosso Povo continua a acreditar na sua Justiça, e que reconhecerá, parafraseando as palavras do moleiro de Potsdam, que “ainda há Magistrados em Portugal”.
Volvendo a questões práticas mas importantes, permitam que vos diga da minha preocupação com as novas tecnologias que, aliás, têm sido referidas, nas mais diversas circunstâncias, por todos os agentes da justiça.
É certo que, no cerne desta problemática — da relação entre justiça e tecnologia — avultam imediatamente questões relativas ao funcionamento dos tribunais, com particular incidência na tramitação processual através de plataformas digitais, e na desmaterialização dos processos.
E são estas mesmas tecnologias que trazem novas realidades jurídico-criminais, como a cibercriminalidade, que exigem uma reação complexa e especializada.
Mas não são as únicas questões, nem talvez as de significado civilizacional mais profundo (sem prejuízo da sua indiscutível relevância prática e quotidiana).
Com efeito, a evolução tecnológica está a modificar, e modificará ainda mais, a relação geral entre a justiça e os cidadãos, uma vez que a tecnologia é fundamental no modo como estes últimos percecionam o funcionamento do sistema.
E, nessa medida, é o Estado de direito e a democracia que são interpelados relativamente ao contributo na aproximação da justiça aos cidadãos, possibilitada por tais instrumentos.
Se o futuro é tecnológico, a justiça tem que saber viver nesse mundo: sem abandonar os seus símbolos e a sua liturgia, sem perder os seus ritos identitários, a justiça tem que saber utilizar a tecnologia para se tornar próxima dos cidadãos e, com isso, reforçar a sua legitimidade.
Mas sem esquecer que alguns limites têm de existir para a salvaguarda dos interesses superiores da investigação, nomeadamente do segredo de justiça, tão maltratado ultimamente.
Não tenho uma medida específica a apresentar para que a legalidade nesta área seja assegurada, nem mesmo ouso propor que seja repensada a figura do assistente no processo penal; mas lamento o modo como peças em segredo de justiça são publicitadas, em nada contribuindo para o prestígio da nossa justiça, nem para que se faça justiça.
É essencial garantir à justiça os recursos humanos e materiais adequados à sua realização.
Aqui, tenho presente os dados recentemente apresentados pela Senhora Ministra da Justiça de acordo com os quais “a percentagem da despesa pública alocada [em Portugal] ao funcionamento do sistema de justiçaé de 2,2%, situando-se na média do Conselho da Europa”.
Por outras palavras, a despesa pública com a realização da justiça corresponde, em Portugal, à média dos países da Europa.
E o Ministério Público tem correspondido a esta alocação de recursos.
Com efeito, nos últimos anos, o Ministério Público renovou a sua vitalidade, dando novos impulsos e novos contributos para a sedimentação do Estado de direito democrático.
E permitam-me que associe a esta vitalidade a pessoa da Procuradora-Geral da República, a Conselheira Joana Marques Vidal, por ser de elementar Justiça.
A função do Ministério Público é cada vez mais escrutinada pela opinião pública e publicada, muitas vezes de forma errada, levando à crítica tantas vezes rápida, fácil e injusta.
Em certo sentido, é compreensível, porque o Ministério Público dispõe de um poder de iniciativa processual e de investigação que pode ser, e é, incómodo.
Mas se essa é função do Ministério Público, nem por isso é esse o seu único papel.
Recordo uma atividade que nem sempre está presente nas discussões sobre a sua atuação: a de representação do Estado, em sentido lato, e dos incapazes, dos incertos e dos ausentes em parte incerta.
E da dificuldade em assegurar, por vezes, a legalidade democrática face aos interesses da “parte” que lhe compete defender.
O ano que passou foi difícil e triste, com as tragédias que ensombraram o nosso quotidiano e a que a Região não esteve imune.
E se me curvo perante a memória dos que partiram, e estou solidário com todos os que sentiram as consequências dessas tragédias, devo realçar a ação de muitos que reagiram com determinação para minimizarem o sofrimento e, entre eles, sublinho a intervenção do Ministério Público.
Num Estado de direito democrático, o Ministério Público é insubstituível.
Tão insubstituível quanto é essencial a manutenção de momentos de diálogo e de reflexão como o que agora termina: empenhado, plural, problematizante, e sempre com o olhar no futuro.
Portugal sempre foi, a este propósito e a nível internacional, uma referência de Ministério Público avançado e exemplar.
Assim continue.
Não tenho por isso dúvidas de que os contributos aqui deixados são da maior importância para o futuro e para o que é essencial: retomando as palavras de Sua Excelência o Presidente da República, aquilo que deve ser “uma visão personalista do direito e da vida”.
Muito obrigado !