Mensagem proferida por Sua Excelência o Representante da República para a Região Autónoma da Madeira na sessão de encerramento do Colóquio “A Grande Guerra e os Espaços Insulares”, no dia 3 de Dezembro de 2016, na Universidade da Madeira.
É com muita honra e imensa satisfação pessoal que estou hoje convosco, nesta Sessão de Encerramento que culmina dois dias de intensos trabalhos do Segundo Colóquio Internacional Insula, que decorreu sob o tema “A Grande Guerra e os Espaços Insulares”.
Gostaria de começar as minhas breves palavras por louvar as entidades organizadoras, nas pessoas do Magnífico Reitor e do Senhor Comandante, que em boa hora juntaram esforços para pôr em marcha esta relevantíssima iniciativa científica e cultural.
E ao Sr. Professor Doutor Paulo Rodrigues, pelo notável labor de coordenação do
Colóquio, os meus sinceros parabéns.
Conseguiram V. Exas., de forma exemplar, estruturar e concretizar um programa que incluiu um conjunto de contributos de grande valia científica e intelectual, fundamentais para a abordagem da temática proposta, bem patentes na excelência das comunicações e conferências com que prestigiados académicos e estudiosos nos distinguiram nestes dois dias.
Permita-me que o diga, Senhor Reitor – e faço-o, como madeirense, com confessado orgulho – que a Universidade da Madeira consegue, através da organização deste Colóquio sobre um tema tão relevante para a nossa comunidade, demonstrar, mais uma vez, a elevada valia científica dos seus académicos, a opção por uma correta estratégia de permanente ligação à sociedade e a sempre louvável disponibilidade para colaboração com outras entidades.
Que este exemplo e esta iniciativa se multipliquem são os meus votos.
Minhas senhoras e meus senhores,
Ainda hoje é constatável que a Grande Guerra produziu um enorme impacto, a vários níveis, na vida da nossa comunidade.
Em tantos outros momentos, a condição insular da Madeira e do Porto Santo tinha
felizmente determinado um afastamento dos males do Mundo e das ameaças à Pátria.
E ao longo da nossa História, sobretudo no século XIX e no princípio do século XX, a nossa fronteira atlântica foi o garante da nossa segurança, deixando-nos quase intocados pelos conflitos em território continental – invasões napoleónicas, guerras liberais, a transição republicana -, dos quais nos chegavam ecos tardios e quase nenhumas lágrimas.
Mas a Grande Guerra, na sua condição de primeiro conflito global, vai chegar com
toda a força e brutalidade a este arquipélago e a esta comunidade.
Primeiro, pelo impacto económico.
Com os transportes marítimos como única ligação ao mundo e exclusiva forma de acesso aos recursos que não possuíam, a guerra no Atlântico isola as ilhas.
Faltam-nos os turistas, os que passam a caminho do Sul e os que vêm para ficar, desaparecem-nos os mercados de exportação do pouco que as ilhas produzem, falham-nos os mercados de origem dos produtos essenciais de que precisávamos.
E a Madeira e o Porto Santo sofrem de fome, de escassez, de redobrado isolamento.
Mas a Grande Guerra chega também a estas ilhas pela violência das armas.
Com o fim da neutralidade portuguesa, a partir de Março de 1916, a população madeirense sofre, impotente, dois ataques submarinos que destroem vidas, navios, propriedades e, sobretudo, o sentimento de segurança que séculos de distância tinham construído.
A nossa Cidade, cosmopolita e virada ao Mundo, entra em regime de guerra: recolher obrigatório, janelas fechadas ao mar, boatos, insegurança e medo.
E o Funchal assume, com Horta e Ponta Delgada, a inditosa condição de serem as únicas cidades portuguesas bombardeadas no Século XX, e os 13 madeirenses mortos as únicas vítimas civis em território português.
Mas talvez o maior impacto na sociedade madeirense, aquele que ainda permanece no imaginário do povo, tenha sido o chamamento dos seus filhos para lutarem na “Guerra que ia acabar com todas as guerras”.
Oriundos de todos os concelhos da Madeira e de todas as classes sociais, jovens madeirenses vão lutar e sacrificar-se pela Pátria durante a Grande Guerra.
Primeiro, no sul de Angola e de Moçambique onde, mesmo sem declaração de guerra e perante a complacência britânica, a contiguidade com colónias alemãs provoca diversos conflitos de fronteira, nos quais apenas o heroísmo dos soldados portugueses, sem preparação e sem recursos, consegue impedir os propósitos do exército mais bem equipado do Mundo.
Depois, nos campos da Flandres, para onde é enviado à pressa em 1917 o Corpo Expedicionário Português, que incorpora um total de 124 militares madeirenses, entre oficiais, sargentos e praças.
Militares que vão sofrer, como milhões de outros nos muitos teatros da Guerra, os horrores das trincheiras, dos bombardeamentos, das doenças, da privação total de condições de dignidade humana, numa guerra da qual já ninguém lembra as causas.
Eu tive oportunidade de visitar os campos de batalha de Verdun, onde centenas de milhares de militares dos dois lados perderam a vida e as trincheiras que, nos Vosges, marcavam a fronteira entre a França e a Alemanha.
E, mesmo no contato visual com a realidade das trincheiras, é-nos difícil, perante os cenários de guerra moderna, cada vez mais assética, computorizada e dronizada, diria, compreender na sua extrema violência, a bestialidade de meses e meses de encerramento numa trincheira em condições cruéis e sub-humanas.
De tudo o que li sobre a Iª Guerra mundial, o que mais me chocou foram os fuzilamentos para exemplo, único e radical meio que os comandos tinham para manter as tropas em perfeito estado de obediência.
Perante esta chocante realidade, podemos imaginar o estado de alma dos que viveram todos esses horrores.
Minhas senhoras e meus senhores
Felizmente, desses militares, muitos voltaram para se notabilizarem no futuro, como o nosso conterrâneo José Vicente de Freitas, mais tarde Presidente da Câmara de Lisboa e Presidente do Conselho de Ministros, ou Ângelo Augusto da Silva, notável pedagogo, reitor do então Liceu Jaime Moniz, onde estudei (jamais esquecerei o seu rosto gazeado mas de onde só transparecia bondade).
Mas muitos morreram ou ficaram gravemente feridos, em defesa da Pátria.
Alguns dos nossos madeirenses mortos estão lembrados, em ruas e monumentos públicos.
Mas é nosso dever como comunidade perpetuar a memória de todos eles, passados que estão 100 anos do seu sacrifício, o que será completado proximamente com o descerramento de duas placas toponímicas homenageando Henrique José de Sousa Machado e Alberto de Sena Mendes, ambos falecidos em Angola.
E porque me sinto intimamente ligado a esta concretização, devo agradecer publicamente o apoio incondicional que recebi do Comando Operacional da Madeira nas pessoas dos Senhores Generais Marco Serronha e Rui Clero, e dos Presidentes de Camara da Calheta, Dr. Carlos Teles, e do Funchal, Dr. Paulo Cafofo.
Gostaria a este propósito de evidenciar o trabalho de evocação que a Liga dos Combatentes vem desenvolvendo, ao qual tenho tido o privilégio de dar o meu contributo pessoal, para que a memória daqueles que se bateram nos campos de batalha continue viva e atuante.
É essa evocação que gostaria de fazer, para concluir a minha intervenção, com as palavras que estão registadas na ata do lançamento da primeira pedra do monumento a Nossa Senhora da Paz, erigido em 1927 no Terreiro da Luta em homenagem a todas as vítimas madeirenses da Grande Guerra:
“Quem poderá opor uma barreira a esta vontade livre do povo por glorificar osseus heróis e deixar um padrão de vitalidade da sua raça que, se foi por vezes de medos, nunca foi de covardias!”
E este colóquio é também uma forma de relembrar e homenagear a vitalidadedos madeirenses e dos portugueses.
Concluo, renovando os meus agradecimentos a V. Exas. pela magnífica organização.
Muito obrigado.