Cerimónia de Entrega de Condecorações

ALOCUÇÃO PROFERIDA PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA NA CERIMÓNIA DE ENTREGA DE CONDECORAÇÕES POR DELEGAÇÃO EXPRESSA DE SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, NO DIA 10 DE JUNHO DE 2016, DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, NO PALÁCIO DE SÃO LOURENÇO

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Comemoramos o dia 10 de junho, dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas.

Renovamos, hoje, o nosso sentimento de Portugalidade, invocando a nossa História, a nossa memória, as nossas referências culturais e os nossos valores.

Fazemo-lo, de forma simbólica, recordando Luís de Camões e saudando as Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo, para, dessa forma, celebrar Portugal.

Comunidades, em particular a diáspora madeirense, que temos feito questão de homenagear sempre no início desta comemoração, depondo flores no Monumento ao Emigrante erigido na Avenida do Mar e das Comunidades Madeirenses, como símbolo do nosso respeito, do nosso apreço e da saudade que nos une.

A nossa diáspora transporta o que há de melhor de nós.

Pela imagem que nos cinco continentes, mercê do seu trabalho e integridade, soube construir de Portugal e da Madeira.

Pelo modo como se integrou e contribuiu para as Nações que a acolheram, sem nunca perderem a identidade.

Pelo orgulho que tem nesta Região e em Portugal, mesmo que tantas vezes tenha recebido tão pouco.

Mas, se temos de prestar às Comunidades o nosso reconhecimento, é importante não esquecer que o caminho da emigração é desejável apenas e enquanto for uma legítima opção individual, e não uma inevitabilidade para muitos.

As responsabilidades do Estado e da Região são hoje acrescidas, e maiores que as de tempos idos que levaram gerações sucessivas a partir para outras paragens.

É hoje desígnio nacional, e deve ser missão prioritária de quem governa o nosso País e a nossa Região, promover condições que propiciem a todos os portugueses, sobretudo os mais jovens e qualificados, encontrar aqui oportunidades que lhes permitam construir a sua vida e sentirem-se realizados.

Minhas Senhoras e meus Senhores,

Este ano de 2016 é carregado de fortes significados, que apelam à comemoração e, igualmente, à reflexão.

Refiro-me, em particular, aos 40 anos da nossa Constituição; aos 40 anos de autonomias regionais; aos 30 anos de adesão de Portugal às comunidades europeias; e, não menos importante, aos 40 anos da nossa adesão ao Conselho da Europa.

Todos estes aniversários marcam etapas felizes da nossa democracia, que só foram possíveis por causa da instauração do regime democrático.

Porém, os eventos que essas datas assinalam não se esgotaram num dado momento histórico.

Na verdade, foram apenas os primeiros degraus de um processo de construção do nosso desenvolvimento.

O dia 10 de junho deste ano de 2016 celebra, pois, conquistas que são dinâmicas e evolutivas, apelando, por isso, à nossa reflexão.

Começo, justamente, pelo nosso texto constitucional, que este ano comemora 40 anos.

Como referiu o Senhor Presidente da República, Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu discurso de tomada de posse, a 9 de março de 2016, “a Lei Fundamental continua a ser o nosso denominador comum. Todos, nalgum instante, contribuíram para, ao menos, uma parte do seu conteúdo.”

Isto vale não apenas para aqueles que participam ou participaram em instituições, políticas, judiciais ou administrativas, internas, europeias ou internacionais.

Na verdade, todos os portugueses – mesmo sem terem consciência disso – já deram o seu contributo para o constitucionalismo português, vivendo a Constituição, usufruindo dos seus direitos e cumprindo os deveres de cidadania.

O Estado de Direito Democrático português realiza-se e vivifica-se na experiência de vida de cada um de nós, em cada momento de afirmação da cidadania.

E é justamente na nossa Constituição que todos nos revemos.

A Constituição não é simplesmente uma lei de valor superior às demais.

É um pacto civil, a partir do qual nos projetamos como comunidade política.

Nela, encontramos o respeito pela individualidade; a garantia de que o indivíduo não se dilui, nem é secundarizado pela comunidade; mas igualmente referenciais para o desenvolvimento coletivo, ideia esta que um povo com novecentos anos de história não pode perder de vista.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Num dia como o que hoje assinalamos, há memórias a evocar e conquistas a celebrar.

Uma das mais importantes – todos o afirmam - são as autonomias regionais, conquista indissociável do 25 de abril, da Lei Fundamental e das populações insulares.

Respondendo às históricas e legítimas aspirações autonomistas dos madeirenses e açorianos, o constituinte português institui um sistema de autonomia regional que, podendo e devendo ser constantemente aperfeiçoado, fez já um longo e digno caminho.

As autonomias político-legislativas afirmadas na Constituição foram, ao longo dos anos, evoluindo e consolidando-se no ordenamento jurídico nacional e na consciência política geral.

Recordo, em particular, dois momentos muito marcantes:

  • ·       Em primeiro lugar, a aprovação dos Estatutos Político-administrativos da Madeira e dos Açores: resultando da iniciativa dos seus órgãos de governo próprio, os Estatutos Político-administrativos refletem, em grande medida, a visão das próprias regiões a respeito da sua autonomia.
  • ·       Em segundo lugar, é imperioso referir as várias revisões constitucionais entretanto realizadas, com particular destaque para as revisões de 1997 e de 2004, que trouxeram grandes contributos para o aprofundamento da autonomia regional, designadamente de autonomia legislativa, ao arrepio de visões mais conservadoras, que não vingaram.

Podendo ser objeto de maior ou menor crítica, estas etapas exprimem o dinamismo das autonomias, ao longo destes 40 anos.

Não houve, até hoje, um momento de retrocesso da autonomia regional globalmente considerada – sem prejuízo de, aqui e ali, poderem ser criticadas certas opções do legislador nacional e até mesmo de quem tem como missão interpretar a Constituição ‑, pelo que admito ser esta a senda do Parlamento nacional e dos demais órgãos de soberania, no âmbito das suas competências.

E é legítimo esperar que, agora, o trabalho de aperfeiçoamento da autonomia das Regiões prossiga com a mesma determinação.

Sei que está em curso a revisão do Estatuto Político‑Administrativo da Madeira.

Esta revisão apresenta-se como fundamental para melhorar tanto a autonomia político-legislativa da nossa Região, como as relações com os órgãos centrais da República.

Não nos iludamos, nem fiquemos presos a bandeiras de reivindicação que tiveram o seu lugar na história política mas que hoje não encontram justificação.

Relações sãs, transparentes e previsíveis com os órgãos centrais da República são absolutamente essenciais para o aprofundamento de uma autonomia real e não essencialmente simbólica.

Não quero, neste momento, apontar caminhos.

Entendo que não o posso fazer nesta sede, a benefício da reserva de autonomia política dos vários órgãos com competência nesta matéria.

Mas não enjeito a responsabilidade que sinto de partilhar a minha experiência profissional, em particular no exercício do cargo de Representante da República para a Região Autónoma da Madeira, e de a colocar ao serviço da autonomia regional, tanto quanto da unidade do Estado.

Percebi a relevância de clarificar, em diversos domínios, o relacionamento entre a Região e o Estado.

Quanto menos forem as zonas cinzentas nessa relação, mais ganharemos todos.

Refiro-me, desde logo, à chamada questão da “autonomia fiscal”, que tem sido objeto de um interessante debate público, promovido, entre outros, pela Assembleia Legislativa, e que tenho acompanhando com muito interesse.

Mas é preciso também clarificar o quadro legislativo no que respeita à auto-organização da administração regional: as especificidades desta desaconselham regimes jurídicos que obriguem a articulações difíceis com soluções nacionais, que trazem mais desvantagens do que benefícios.

É que, no final, ninguém está melhor posicionado para decidir sobre a estrutura e condução da administração regional do que as próprias Regiões Autónomas.

Um outro aspeto que merece toda a cautela é o da relação entre titularidade e gestão do domínio público estadual nas Regiões.

Ao longo dos anos, temos assistido a soluções legislativas pouco claras que, muitas vezes, criaram mais problemas do que resolveram.

Muito embora esta seja uma matéria muito sensível e altamente técnica, lanço um apelo aos principais envolvidos para que sejam corajosos, à luz de uma leitura abrangente dos interesses regional e nacional: o dia de hoje é particularmente dado a isso mesmo.

Finalmente, há que salientar a este propósito que a consagração constitucional da Autonomia, hoje perfeitamente consolidada, nunca pode ser um fim de percurso.

Ao consagrar a Autonomia como valor essencial ao nosso Estado de Direito, a Constituição impõe a todos os órgãos de poder a obrigação de agirem na sua defesa, ativamente e em todos os momentos.

Obrigação de promover continuamente a correção das desigualdades que decorrem do afastamento dos territórios que compõem o todo nacional.

Obrigação de garantir efetivamente aos cidadãos das Regiões Autónomas os mesmos direitos que a Constituição concede e defende para todos os portugueses.

Este é um imperativo constitucional que convoca o Estado a uma atenção permanente e a uma intervenção decidida e decisiva, sempre que necessária.

E que pede, aos órgãos do poder autonómico, a maior exigência e vigilância, porque em causa estão os direitos dos madeirenses enquanto cidadãos portugueses.

Importa corrigir aquelas desigualdades derivadas da insularidade, em nome de princípios constitucionais que relevam da unidade do Estado, da coesão nacional e da continuidade territorial.

Estou a pensar, mas não só, nos recentes constrangimentos causados aos cidadãos e à economia da Madeira e Porto Santo por conflitos laborais aos quais esta Região é totalmente estranha, com impactos que só o tempo medirá, que vêm demonstrar dolorosamente as limitações da nossa condição insular e a necessidade permanente do Estado cumprir as suas obrigações constitucionais.

Por fim, quero assinalar os 30 anos de adesão de Portugal às então Comunidades Europeias, hoje União Europeia.

A integração de Portugal na União Europeia contribuiu, decisivamente, para mitigar algumas das desvantagens que a localização geográfica da Madeira, à primeira vista, representa.

Refiro-me, em concreto, ao disposto no artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que consagra a natureza ultraperiférica da nossa Região, com base no qual foram canalizados inúmeros apoios comunitários.

Aproveitemos, pois, todas as potencialidades consagradas no Tratado para fazer mais pela Madeira.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Neste dia 10 de junho, foram condecorados pelo Senhor Presidente da República, sob minha proposta (a proposta só a mim responsabiliza, mas quero agradecer a colaboração que recebi do Senhor Presidente do Governo Regional), duas individualidades e uma associação de natureza social, que se destacaram pelos seus feitos e contributos para uma sociedade melhor.

Neste ano, são condecorados:

- Irene Lucília Andrade, pela sua relevante obra poética e artística; a sua ação, como escritora, pintora e professora, influenciou gerações de madeirenses.

- Ricardo Velosa, pela carreira como artista plástico, professor e gestor cultural, com grande impacto na sociedade contemporânea madeirense.

- A ADENORMA – Associação de Desenvolvimento da Costa Norte da Madeira, pelo notável trabalho que vem desenvolvendo junto dos cidadãos socialmente carenciados dos Concelhos do Norte da Madeira, sobretudo em prol da população sénior.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É tempo de terminar.

O dia que hoje celebramos é sempre uma data de grande simbolismo e emotividade, tanto quanto é um dia de esperança.

Somos um Povo que, mesmo em momentos difíceis, perante adversidades extremas, nunca se resignou e sempre soube reagir.

Sejamos dignos do nosso Povo e confiemos como ele num futuro melhor.

Faço votos, portanto, para que nunca esqueçamos e saibamos todos passar às novas gerações o significado do dia 10 de junho, bem como a razão de ser do dia de Portugal, de Camões, e das Comunidades Portuguesas.

Viva a Região Autónoma da Madeira!

Viva Portugal!