Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

MENSAGEM PROFERIDA PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA NA CERIMÓNIA DE ENTREGA DE CONDECORAÇÕES POR DELEGAÇÃO EXPRESSA DE SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, NO DIA 10 DE JUNHO DE 2015, DIA DE PORTUGAL, DE CAMÕES E DAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, NO PALÁCIO DE SÃO LOURENÇO

 

O dia de hoje é de invocação do passado e de inspiração para o futuro.

Invocamos Luís de Camões, nos 435 anos da sua morte, e, ao fazê-lo, trazemos à memória a riqueza intangível da nossa língua – que é a nossa Pátria, como dizia Fernando Pessoa.

Recordamos também a nossa História, matriz na qual nos revemos e existimos.

Estamos aqui em razão do percurso de quase nove séculos que nos precede e que tanto nos orgulha, perante a Europa e o Mundo.

Dir-se-á que é uma espécie de paixão que motiva estas palavras.

E é: uma paixão própria de quem reconhece, em Luís de Camões, o legado de uma História nacional quase milenar e a capacidade crítica de problematizar as grandes questões existenciais e refletir sobre a essência da vida.

Hoje é, também por isso, um dia de inspiração, pela lição fértil a retirar do nosso percurso.

O dia 10 de Junho é igualmente o dia de Portugal, ocasião para refletirmos sobre o que fomos e sobre quem queremos ser, para interpretarmos a nossa ambição e enquadrá-la nos novos contextos de cidadania.

Comemorar Portugal deve ser, penso, celebrar o presente e, com a memória do passado, buscar inspiração para a construção do futuro.

O simbolismo desta data constitui, por assim dizer, um momento de equilíbrio, em que, sem suspendermos a História, buscamos a energia e a determinação para seguir adiante.       

A vida dos povos não é linear e muitos dos acontecimentos da História não dependem unicamente da nossa vontade enquanto Nação e são inúmeras as adversidades que devemos enfrentar em resultado do nosso contexto geoestratégico.

A nossa independência tem subjacente a nossa capacidade de nos adaptarmos a uma globalização e a uma interdependência que, por vezes, nos é difícil compreender, num universo lusófono, europeu e internacional de grande competitividade e exigência. 

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

O nosso País tem cruzado mares conturbados.

Todos nós temos sido agitados pela tormenta dos últimos anos; muitos com grande sofrimento.

Lamentavelmente, não podemos mudar o passado.

Mas devemos acreditar que nada disso foi em vão.

Adquiriu-se uma consciência nacional, que me parece hoje claramente sedimentada, sobre a importância que vários aspectos têm para o nosso futuro coletivo, e que não se confinam à espuma dos dias.

Desde logo, sinto que a educação representa, hoje, um desígnio nacional com uma intensidade sem precedente na nossa História.

Muito há por fazer neste domínio.

Será, porventura, um trabalho sempre inacabado.

Mas sabemos hoje – atrevo-me mesmo a dizer, já o interiorizámos – que a nossa presença no Mundo e, por conseguinte, o nosso futuro, passam por alguns eixos matriciais: a educação, a capacidade de inovar, a juventude e a nossa vocação marítima.

Todos estamos convictos do valor de uma educação de nível excelente e do modo como esta causa pública nos pode projetar internacionalmente, mormente no que respeita aos nossos jovens.

Pede-se hoje à escola que se constitua como uma janela para o Mundo: os nossos jovens não competem apenas entre si no âmbito das nossas fronteiras.

Pelo contrário, eles são hoje detentores de um estatuto de cidadão do Mundo. Têm, por isso, de saber interpretar essa realidade, sem que percam as referências culturais e civilizacionais que os formaram.

Esperamos hoje que a juventude contribua para a inovação e para a nossa imagem.

No entanto, é preciso sublinhá-lo, essa modernidade não se constrói sem investimento, dedicação e rigor em todos os patamares da gestão pública e política.

Devemos esse legado aos jovens: que eles se revejam num País que pugna pelo cumprimento de uma ética humana e que lhes consagrou a oportunidade de crescerem nessa aprendizagem para a compreensão integradora do que é o Homem, como defendia Edgar Morin.

Tanto a história de um povo, como o seu futuro, são também indissociáveis da sua cultura, da sua língua, da sua ciência.

Para tudo isso, a educação é uma condição inultrapassável.

Neste contexto, desejando associar os nossos estudantes a esta celebração, decidi promover um “Concurso Literário” que tem obtido assinável repercussão, demonstrativo de que a nossa juventude quando motivada sabe responder presente.

Aqui, como noutros campos, a ação dos professores foi decisiva e deixo-lhes, por isso, a minha gratidão.

Um outro domínio que nunca é demais destacar é o da nossa vocação marítima.

Como o Senhor Presidente da República muito recentemente assinalou, na receção aos participantes na Cimeira Mundial dos Oceanos 2015, que teve lugar em Cascais na passada semana, há quase mil anos que somos uma nação marítima.

Continuamos a ser, ainda hoje, líderes em assuntos do mar, designadamente ao nível das Nações Unidas e da União Europeia.

Ainda não atingimos, porém, o alto perfil que a extensão e a riqueza do nosso espaço marítimo permitem, sendo certo que possuímos uma biodiversidade invejável, que é fundamental acarinhar, e condições únicas para proceder à sua articulação com o aproveitamento económico dos recursos marinhos.

Este é, sem dúvida, um desígnio nacional de extraordinária importância para o nosso futuro e no âmbito do qual a Região Autónoma da Madeira tem um lugar essencial em razão da sua localização geográfica, da sua riqueza ambiental, mas também da coragem e da capacidade inovadora que certas empresas da Região, representativas deste sector, têm revelado.

Minhas Senhoras e meus Senhores:

No dia de hoje devemos uma palavra à necessidade de coesão.

O dia 10 de Junho não é apenas de Camões e de Portugal.

É também das Comunidades Portuguesas.

Costumamos identificar-nos com uma população de dez milhões de habitantes, esquecendo, por vezes, que há mais cerca de cinco milhões de portugueses espalhados pelo mundo.

Todos são parte de nós, da nossa História, mas também igualmente do nosso futuro, e constituem para o nosso País uma riqueza maior.

A diáspora leva o nosso nome e a nossa cultura aos quatro cantos do mundo, às instituições internacionais e aos países onde habitam, com a vontade inabalável de se afirmarem como portugueses.

Neste domínio, contrariamente ao dizer popular, o que está longe da vista não está, nem pode estar, longe do coração.

De uma outra perspetiva, podemos mesmo afirmar que a nossa Constituição não cauciona um afastamento, senão de detalhe, entre os portugueses residentes no território nacional e aqueles que se encontram no estrangeiro.

Na verdade, a coesão nacional é um princípio que não se restringe à continuidade territorial; esta é apenas uma das dimensões da primeira.

À invocação patriótica que o dia de hoje representa – da qual não devemos ter receio – e à inspiração que dele podemos colher, soma-se então uma dimensão superior: Portugal, hoje como ontem, são todos os portugueses, incluindo os que, por razões diversas, fazem a sua vida noutras paragens, levando a nossa língua, a nossa cultura, o nosso mundo aos mais diversos pontos do globo.        

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Permitam-me ainda que, nesta linha, sublinhe outras realidades sociais, tão carentes de atenção pública e de uma palavra de esperança e solidariedade.     

Os últimos anos foram para muitos de flagelo social, cujos efeitos não podemos ignorar, seja quotidianamente, seja sobretudo em ocasiões como a de hoje.

Não tem lugar, no dia 10 de Junho, a revisitação das causas que a isso conduziram, nem tão-pouco do que tem sido feito para o minimizar.       

Tem lugar, sim, lembrar que não há coesão nacional nem verdadeira solidariedade fora dos limites da dignidade humana, tal como não há Portugal, verdadeiramente, sem igualdade entre os portugueses em idênticas condições de liberdade para todos.

Considero que não há realmente liberdade quando falta trabalho; a redução do desemprego deve ser matéria urgente da agenda política e social.

Esta é a conceção de dignidade humana que os principais instrumentos de direito internacional e europeu protegem.

Mas tão-pouco a nossa Constituição pode ser esquecida ou remetida para um lugar menos central do campo de visão da política e da sociedade em geral.

O artigo 1.º afirma Portugal como uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e o artigo 2.º solicita, entre outros aspetos, a realização da democracia económica, social e cultural e, também o aprofundamento da democracia participativa.

Não são estas meras proclamações ou desejos inscritos numa carta de intenções.

Trata-se, rigorosamente, de dimensões fortes de princípios estruturantes da República Portuguesa, que o Estado – e em particular o legislador – não pode ignorar, menorizar ou olhar com condescendência.

O nosso futuro passa, inexoravelmente, por esta dimensão de coesão, tal como não pode abdicar de uma fortemente enraizada solidariedade inter-geracional.

Os laços entre as gerações vivas são o cimento da nossa sociedade, tal como a memória das gerações passadas constitui o nosso legado para as gerações futuras.

É absolutamente essencial, porém, assegurar a existência dessas mesmas gerações futuras.

Como todos sabemos, enfrentamos um grave problema demográfico, atentas as baixas taxas de natalidade.

Paradoxalmente, figuramos num lugar cimeiro do índice de países com melhores condições para se ter filhos, ao que não é de todo alheio o baixíssimo índice de mortalidade neonatal, de que tanto nos devemos orgulhar, por ser um índice essencial de civilização.

Mas importa fazer mais, descobrir as razões efetivas para a baixa natalidade que temos e atuar com eficácia onde for possível: é o futuro de Portugal que está em causa.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Num mundo globalizado, caracterizado pela progressiva perda de autonomia dos Estados perante o crescimento de fenómenos de poder supraestadual, que coloca em causa inclusivamente pilares fundamentais da democracia política, ganham relevância as estruturas político-administrativas mais próximas dos cidadãos.

Quando estes se apercebem de que o seu voto já não determina as opções políticas a nível nacional nos termos em que outrora acontecia, as estruturas democráticas de maior proximidade veem-se na necessidade de dar uma resposta mais imediata à relação entre governantes e governados.

Por isso, no contexto insular, a autonomia regional constitui – porventura cada vez mais – um precioso instrumento de reconciliação entre os cidadãos e o poder público, entre os cidadãos e a política, até mesmo entre os cidadãos e a sua – a nossa – Constituição.

Ao longo dos anos, destas já quase quatro décadas de vida que leva a nossa Lei Fundamental, a autonomia regional tem vindo a ser constantemente salientada como um dos seus adquiridos mais relevantes.

Neste contexto, a cooperação institucional entre os órgãos da República e órgãos de governo próprio das regiões tem uma importância determinante: por ela passa o caminho para o reforço da autonomia regional, respondendo às históricas aspirações das populações insulares, como diz a nossa Constituição no seu artigo 225.º.

Mantive com o anterior Governo Regional e com a anterior Assembleia Legislativa uma relação institucional, baseada no respeito e consideração mútuos e numa leal cooperação.

De igual modo, empenhar-me-ei, até ao fim do meu mandato, para que assim aconteça no quadro do novo ciclo político e estou certo que serei correspondido pelo Governo Regional e pela Assembleia Legislativa.

Desejo felicitar os novos órgãos de Governo próprio da Região e congratular-me com a visão expressa pelo Senhor Presidente da Assembleia Legislativa, na sua mensagem aquando da tomada de posse do atual Governo Regional, de constante procura do diálogo e de cooperação entre todas as entidades e organismos envolvidos na governação da Região, a bem dos madeirenses.     

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Neste dia 10 de Junho foram condecorados pelo Senhor Presidente da República, sob minha proposta, duas individualidades e uma associação de natureza social.

A Professora Joana Justa Rosário Coelho, agraciada com o Grau de Comendador da Ordem da Instrução Pública, é referência ímpar da comunidade portossantense. As suas qualidades como pedagoga e o seu notável percurso político são uma inspiração para a mulher madeirense e para todos nós.

O Dr. Carlos Lélis da Câmara Gonçalves, agraciado com o Grau de Comendador da Ordem de Mérito, tem-se destacado na ação cultural, política e cívica em prol do País e da Região, constituindo um nome inultrapassável em áreas como a educação, o jornalismo e o teatro.

Foi ainda distinguida, como Membro Honorário da Ordem de Mérito, a Associação Protetora dos Pobres,  cujas iniciativas, mais do que centenárias, têm sido determinantes na melhoria da dignidade e do bem-estar dos mais desfavorecidos na nossa Região, não apenas através da satisfação das suas mais básicas necessidades, mas também ajudando na realização pessoal dos que a procuram.

A todos presto pública homenagem, dando nota de quão justa é a sua distinção.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

As comemorações do dia 10 de Junho são sempre uma ocasião que apela à reflexão e ao entusiasmo, mesmo que adversidades de vária ordem possam ensombrá-las parcialmente.

Quero, pois, deixar-vos uma palavra de esperança.

Não uma palavra oca ou de circunstância, mas antes uma expressão sentida da minha mais profunda crença na capacidade de para construirmos um amanhã em que todos, individual e coletivamente, estejamos mais próximos daquilo que queremos ser.

Viva a Região Autónoma da Madeira!

Viva Portugal!