Dia do Vigilante da Natureza

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(Imagem gentilmente cedida pelo Serviço do Parque Natural da Madeira/Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais)

MENSAGEM PROFERIDA PELO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA POR OCASIÃO DO DIA DO VIGILANTE DA NATUREZA

 2 de fevereiro de 2015

A saúde e o bem-estar de uma comunidade dependem da forma como acautela e garante o seu património nas suas diversas dimensões.

 Foi o desejo de valorizar e proteger a natureza em geral, e a preocupação em manter o equilíbrio ecológico e paisagístico, que presidiram à criação formal do Serviço do Parque Natural da Madeira, em 1982.

Hoje, decorridas mais de três décadas, este Serviço protagoniza o nosso legado às gerações futuras estando bem presente na agenda estratégica do desenvolvimento regional.

Podemos afirmar que este organismo contribuiu decisivamente para a identidade da Madeira, moldando mesmo a nossa imagem.

Acontece que a preservação do modo de vida de uma comunidade carece de cuidado e de agentes persistentes e dedicados, capazes de interpretar e transmitiras especificidades do nosso património.

Os Vigilantes da Natureza na Região Autónoma da Madeira têm, neste contexto, um papel mais amplo do que a sua designação aparenta: não são apenas agentes da conservação da biodiversidade.

São, na realidade, agentes da conservação do modo de vida madeirense.

Mais.

Os Vigilantes da Natureza assumem uma dimensão nacional, através da sua presença nas Ilhas Selvagens, determinante para a afirmação do seu estatuto de ilhas – não rochedos! – desta parte do território nacional e, consequentemente, para a afirmação da soberania nacional.

Em boa verdade, pode bem dizer-se que a preocupação com a salvaguarda da biodiversidade nas Ilhas Selvagens está intrinsecamente associada à soberania nacional sobre os espaços marítimos, desempenhando aqui os Vigilantes da Natureza um papel decisivo.

E quão importante é o Mar, o nosso Mar, esse eterno desconhecido!

Para além das funções de promoção, valorização e fiscalização do nosso património natural, o Serviço do Parque Natural tem uma relevante tarefa quotidiana na educação ambiental.

No exercício da vossa atividade, é fundamental a permanente sensibilização para a necessidade de compatibilizar o bem-estar das populações com a manutenção das características tradicionais da fauna e da flora, bem como a realização de ações de informação e educação ambiental junto das populações.

Ninguém melhor do que vós, acredito, conhece, nas vossas áreas de ação, os pontos mais sensíveis e carentes de intervenção e proteção.

Por isso, a vós cabe a responsabilidade de envolver toda a população no esforço de conservação e promoção deste nosso património irrepetível, onde se inclui o nosso único património mundial natural sob a égide da Unesco: a Laurissilva

O que vem sendo feito para o proteger - penso nomeadamente, mas não só, no lobo-marinho e nas freiras do Bugio e da Madeira - permite a todos os que trabalham no vosso Serviço acalentar um legítimo orgulho e a satisfação pelo dever cumprido.

Mas estes êxitos não consentem descanso: antes reclamam atenção redobrada para garantir e consolidar as metas já alcançadas.

E devem ser fonte motivadora da vossa ação de informação e sensibilização das populações com vista a uma utilização consciente e responsável da natureza.

Estas tarefas são estruturantes na promoção de uma literacia ambiental destinada a todos - mais e menos jovens.

Para os primeiros – os mais jovens – porque precisam de compreender a importância das questões ambientais, no valor que têm em si mesmas, mas também os reflexos destas no quadro da construção de um ideal de vida com qualidade, no respeito pela integridade dos espaços onde habitam, brincam e crescem.

Saibamos aproveitar o solo fértil dos seus espíritos, porque as crianças e jovens de hoje serão os responsáveis de amanhã.

Só se ama aquilo que se conhece e por isso, como vem sido feito na Região, é premente difundir esta matéria a todos os níveis, despertando a nossa juventude para os valores essenciais que devem enformar a nossa sociedade.

Os segundos – menos jovens – foram, ao longo dos tempos, interiorizando a relevância que têm as questões ambientais e da biodiversidade.

Foi assim que muitos de nós, tendo crescido em tempos de menor exigência ecológica, fomos adquirindo uma consciência cívica do que significa “qualidade de vida”, tanto no presente, como para as gerações vindouras, e que essa qualidade de vida passa, antes de mais, pela defesa e promoção de um ambiente sadio.

 Na era do reconhecimento da necessidade da proteção dos direitos das gerações futuras e de equidade intergeracional, devemos compreender que é obrigação da nossa geração passar às próximas o ambiente que nos rodeia e onde nos inserimos em melhores condições do que aquelas em que o recebemos.

 A este propósito, recordo as palavras do Senhor Presidente da República, cito:

“A responsabilidade que temos para com o futuro exige que façamos uma reflexão muito profunda sobre o modo como a Humanidade se tem relacionado com o Planeta onde vive.

Não somos donos da Terra, mas apenas seus hóspedes transitórios.

Aquilo que de bom ou de mau fizermos ao nosso Planeta será aquilo que acabaremos por fazer a nós próprios e aos nossos descendentes.” – Fim de citação

Partindo destas palavras do Senhor Presidente da República, e numa Região onde o Turismo representa a principal fonte de riqueza, é preciso transmitir, não só aos aqui residentes mas também àqueles que nos visitam, que o património natural é pertença da humanidade e, como tal, deve ser usufruído de uma forma prudencial.

Neste contexto, permitam-me confessar a alegria que tive em assinar e mandar publicar um diploma que veio disciplinar a observação de cetáceos nos nossos mares, área que depende também da vossa ação.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

O respeito pelo planeta não é algo abstrato e dirigido a uma biodiversidade sem rosto: é, desde logo, o respeito pela própria existência, tanto nossa, como do próximo.

É, na verdade, uma condição de humanidade.

Por isso, também o Direito se interessa, cada vez mais, pelas questões ambientais.

No contexto dos direitos humanos, o direito a um ambiente saudável e sustentável ocupa hoje uma posição proeminente, integrando um dos direitos da chamada 4ª geração.

 Na verdade, desde a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, reconhece‑se o carácter global dos problemas ambientais, afirmando‑se que a solução passa por uma ação conjunta de todos, os Estados, as organizações e os cidadãos.

Hoje, tanto o Direito Internacional, como o Direito da União Europeia e o Direito interno estendem ao ambiente um regime de proteção fundamental, podendo encontrar-se diversas decisões dos nossos tribunais relacionadas com o direito do ambiente.

De entre várias decisões dos Tribunais portugueses, uma das mais interessantes é a do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Junho de 2000, no conhecido caso dos ninhos de andorinhas no Palácio da Justiça de Niza.

Aí se decidiu, a pedido de uma associação ambientalista, que o Estado devia retirar das paredes do Palácio da Justiça de Niza todos os instrumentos (nomeadamente redes e espigões de arame) que obstavam à nidificação das andorinhas, e que devia também não impedir, fosse por que meio fosse, a nidificação das andorinhas nas paredes desse edifício.

Este Acórdão foi – e é - importante a vários títulos; permito-me, registar um dos seus passos. Cito:

“O Estado Português não pode consagrar constitucionalmente o direito ao ambiente, defender uma política de ambiente, subscrever tratados internacionais que o vinculam, elaborar Leis e Decretos-Lei de defesa da vida selvagem e depois com a sua atuação concreta negar tudo isso.” - Fim de citação.

O Estado deve, por conseguinte, estar na primeira linha da defesa do direito do ambiente, desde logo dando o exemplo na forma como atua.

Também o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem uma vasta jurisprudência de alto-relevo em matéria ambiental.

Este Tribunal, onde trabalhei mais de doze anos, tem chamado a atenção para o direito a um ambiente saudável, salientando a natureza colectiva deste direito, do qual toda a comunidade será titular e não apenas os indivíduos considerados isoladamente.

Tem sido igualmente sublinhado que esse direito, além do seu valor intrínseco, constitui não apenas um limite como também uma condição para o acesso a outros direitos pessoais.

Minhas Senhoras e Meus Senhores:

O Serviço do Parque Natural Madeira não se encontra, felizmente, solitário na defesa do meio ambiente.

Para além da ação de outras entidades públicas, gostaria de recordar aqui o importante papel da sociedade civil, estruturada em organizações não-governamentais ou em movimentos aparentemente espontâneos, que mobilizam o melhor do seu esforço nesta nobre causa.

Aliás, se somos uma só comunidade, temos que agir, uns para com os outros, como lembra o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, «em espírito de fraternidade».

Por isso, se louvo e incito a nossa sociedade civil a prosseguir as suas ações neste campo, devo prestar, também, a minha homenagem ao trabalho realizado por todos os que trabalham no Parque Natural da Madeira, esperando que mantenham o caminho traçado para que a vossa profissão seja acarinhada e cuidada como bem merece.

Muito obrigado.

Funchal, 2 de fevereiro de 2015