DISCURSO DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA POR OCASIÃO DO ENCERRAMENTO DO 11.º CONGRESSO DO SINDICATO DOS PROFESSORES DA MADEIRA NO DIA 22 DE NOVEMBRO DE 2014
Ao proceder ao encerramento do 11.º Congresso do Sindicato dos Professores da Madeira, expresso, em primeiro lugar, os meus votos de que estes dias de importante reflexão tenham contribuído para encontrar respostas e delinear percursos conducentes a um melhor investimento na educação.
Desejo sobretudo que tenham sedimentado o gosto pelo ensino, por proporcionar aos alunos a capacidade de sonhar e de conhecer.
Na verdade, como diz George Steiner na sua obra “As Lições dos Mestres”, ensinar consiste na tripla aventura de “despertar noutro ser humano poderes e sonhos, além dos seus, induzir nos outros um amor por aquilo que amamos; fazer do seu presente interior o seu futuro”.
Ensinar é assim, ainda segundo aquele ilustre professor, “um dom”.
Pretendo, seguindo o pensamento de Steiner, sublinhar que ser professor abrange muito mais do que o território da sala de aula e dos conteúdos científicos que constam dos programas de cada disciplina.
Será, hoje, porventura das profissões mais dignas, mas também mais complexas.
Estes tempos de bruma não têm sido, como sabemos, fáceis para o exercício da vossa profissão.
Julgo até que, por vezes, têm sido verdadeiramente ingratos.
E, embora se trate de um problema que afeta outros Estados e não apenas Portugal, tal realidade não nos deve consolar, mas antes reforçar a nossa preocupação.
Se, como nos mostra Fernando Savater, o nível de desenvolvimento de uma sociedade se afere pelo tratamento dado aos professores, urge ousar inverter esta situação que, prejudica, a meu ver, a evolução saudável da nossa sociedade.
A escola reflete a pulsão do universo que a envolve e pede-se aos professores que, muitas vezes sem a compreensão e os meios necessários, respondam a inúmeros desafios, dando provas da sua abnegação, resiliência e capacidade de se projetar no interesse maior, dos seus alunos e famílias.
Sei que muitos de vós, de alguma forma, comungam esta minha visão, através de um conhecimento superior ao meu.
Mas deixem que invoque especiais afinidades – a minha mulher é também professora e partilha comigo um pouco das suas inquietações e do seu mundo.
Sei como vós que o vosso trabalho não se circunscreve à sala de aula antes se prolonga e muito até à vossa casa, interferindo na vossa vida familiar.
Esta circunstância habilita-me, penso, para traçar um diagnóstico, ainda que aqui necessariamente breve, de alguns dos problemas que afetam este sector e que partem, a meu ver, por um lado, de uma crise da escola e, por outro lado, dos bloqueios existentes à carreira docente.
Começo pelo primeiro aspeto: a crise da escola, relacionada com a crise global, da família e da sociedade. Esta realidade tem minado, muitas vezes, a autoridade do professor. Defendo que a imagem positiva do professor depende, em grande parte, do reconhecimento do seu trabalho quer por parte das famílias e da sociedade, quer por parte do Estado.
Ora, se o Estado contribui ele mesmo para a erosão da autoridade dos professores, é de esperar que tal se reflita no reconhecimento de que os mesmos recebem por parte de alunos, pais e sociedade em geral.
Neste sentido, há que questionar, novamente com Fernando Savater, se os professores não vêm sendo abandonados pelo Estado e pela sociedade.
É muito importante conhecer a opinião dos professores relativamente aos mais diversos aspetos da vida em sociedade, porque esse é o contexto do conhecimento que transmitem nas escolas.
Parece, no entanto, que esperamos que os professores se limitem a transmitir, nas suas aulas, o mundo que está lá fora, que as crianças e jovens ainda não conhecem.
Mas as crianças e jovens conhecem-no.
Querem e precisam, porém, de o compreender, o que apela à criatividade do professor e à sua própria visão do mundo, que deve, por isso, ser valorizada.
O professor não é um mero transmissor de factos, mas é sim um formador de mentes criativas: reconhecê-lo ativamente é essencial para a autoridade do professor, fazendo com que a escola possa ter a capacidade de corresponder à exigência do sonho das novas gerações e das respostas que todos esperamos dela.
Referi igualmente os problemas que afetam a carreira dos professores.
O professor reflete, no exercício da sua profissão, a sua condição humana repercutindo‑se esta no seu ensino.
Os bloqueios colocados à carreira de Professor constituem, também, motivo de preocupação que devia ser dissipado do seu quotidiano.
A instabilidade que caracteriza a profissão decorre de problemas administrativos de organização, que há muito deviam estar debelados, de modo a que todos estivéssemos ocupados sobretudo com a qualidade substancial do ensino lecionado.
São estas perturbações erráticas da carreira que contribuem decisivamente para uma influência negativa sobre a própria autoridade dos professores, enfatizando o recorte de funcionário, relativamente ao vocacional dos professores, isto é, ao ensino.
Estas preocupações, que manifesto a relativamente aos professores, têm alguma semelhança com outras que encontro a respeito de uma função bem distinta, soberana, mas que não dispensa uma consideração da autoridade com aspetos semelhantes à dos professores: falo dos juízes.
Também a função destes últimos depende em grande parte do reconhecimento dos cidadãos quanto ao seu saber, à sua ponderação, e à correção do que decidem.
Não quero levar este paralelo mais longe do que o necessário para afirmar o seguinte: quando se transmitem conhecimentos ou regras que devem ser interiorizados e respeitados em razão da qualidade do seu autor, o estatuto deste tem que ser cuidado por todos, sob pena de ruína do sistema.
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
A educação é um direito humano, como foi posto em relevo neste Congresso.
Da nossa Constituição e de diversos instrumentos internacionais que nos vinculam, resulta que os nossos alunos devem ter não apenas o direito de acesso à escola (incluindo o ensino superior), mas também a proteção de um pluralismo educativo, essencial à preservação de uma sociedade democrática.
Este pluralismo implica, por exemplo, que o Estado deve cuidar para que a educação da criança e o ensino que lhe é ministrado sejam, tanto quanto possível, conformes às convicções religiosas e filosóficas dos pais, desde que estas não sejam incompatíveis com a dignidade da pessoa humana, não contrariem o direito da criança à instrução, e tenham cabimento no contexto de uma sociedade democrática.
Note-se que este dever do Estado diz respeito à substância do ensino, mas também a outros aspetos – designadamente, organizativos – da função educativa.
Deste modo, os professores são, não apenas titulares de direitos, mas agentes indispensáveis do direito humano à educação: se, sem juízes, não há direito de acesso à justiça, sem professores tão-pouco existe direito à educação, ficando por cumprir um direito humano universal.
Entendo, por isso, ser fundamental salvaguardar o exercício desta profissão, seja através das escolas privadas seja através das escolas públicas, cuja convivência creio ter sido também objeto de reflexão neste Encontro.
Senhoras Professoras e Senhores Professores,
A educação é um momento de afirmação da dignidade humana, que se manifesta no respeito mútuo entre quem ensina e quem aprende, mas também nas escolhas de ambos.
Frequentemente esquecemo‑nos que o ensino não tem um objetivo único ou unívoco.
O ensino possibilita o desempenho de certa profissão, mas também o exercício da cidadania, ativa e participativa.
Serve certo tipo de pensamento especulativo, mas também a consciência prática quotidiana.
Visa o saber, mas é fundamentalmente para o ser.
O ensino, hoje, procura mais a preparação para organizar e refletir sobre a informação que nos chega por tão diversas vias, do que ser um mero veicular de conhecimentos, como realça Fernando Savater.
Segundo George Steiner – permitam-me que regresse às suas Lições –“O termo hebraico rabbi significa, simplesmente, ‘professor’. Mas evoca uma dignidade imemorial”.
Mas será que a função do professor, na sua natureza, é hoje tão diferente, em razão das exigências que lhe são feitas?
A vós cabe dizer se assim é.
Apenas posso acrescentar que é exatamente assim que recordo os meus professores, aqueles que inicialmente me ajudaram a juntar as letras e os números, me abriram, no então Liceu Jaime Moniz, os caminhos do Mundo e da vida e, em Coimbra, me permitiram interiorizar valores como o primado do direito e da justiça e que, passados todos estes anos, permanecem saudosamente na minha memória mais viva.
Senhoras e Senhores Professores,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É tempo de terminar.
Antes, porém, quero deixar bem expressa uma pública homenagem aos professores da Madeira e do Porto Santo.
A educação foi, e é ainda hoje, uma das áreas em que a autonomia regional mostra bem o seu sentido.
Fruto da autonomia político-administrativa, tem sido possível adaptar a organização escolar às nossas especificidades, recuperando atrasos estruturais incompatíveis com uma democracia moderna.
E neste campo, uma palavra de respeito e apreciação ao trabalho executado na educação especial.
Nesta “janela virada para o mar” iniciou-se, há 50 anos, uma luta pela inclusão dos chamados “diferentes”.
A Região mostrou-se, em muitas das etapas deste percurso, até mesmo de cariz internacional, como uma das primeiras.
Hoje, e ainda bem, a “meta” continua a mesma.
Para atingir um patamar de qualidade, muito têm contribuído os mecanismos que ajudam à fixação dos professores nas nossas escolas, assim sedimentando uma comunidade escolar cada vez mais inserida na realidade social local.
Mas isso não seria possível sem o empenho diário dos professores.
É-vos devida, portanto, não apenas uma palavra de solidariedade e de alento, mas também um grande bem-haja por tudo o que têm feito pelo ensino na nossa Região.
Finalizo com as palavras da jovem Malala:
“Um aluno, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”.
Muito obrigado.