Mensagem proferida por Sua Excelência o Representante da República para a RAM, no dia 10 de junho, no Palácio de São Lourenço, na cerimónia de agracecimento de personalidade madeirenses.
Hoje é dia de comemorar Camões, as Comunidades Portuguesas e Portugal.
Tanto ou mais que o vulto literário que foi, e é, Camões simboliza ainda e sempre o triunfo diante da adversidade, a paixão inventiva frente à quietude do espírito, a esperança em alternativa ao fatalismo ditado por “bojadores” que podem, afinal, ser transpostos se passarmos “além da dor”, como dizia Fernando Pessoa.
Sinto, de forma particular, o relembrar da nossa diáspora.
Sei bem o que tal significa para todas as nossas comunidades espalhadas pelo mundo, (simboliza) o orgulho, a esperança, a ligação, o afeto à nossa terra-mãe cujo vínculo nunca se quebra.
Foi por isto que há pouco depositámos flores no monumento ao emigrante madeirense deixando, nesse momento, sugestões que permitam reforçar os laços com os nossos emigrantes.
E gostaria de lhes dizer que a sua saudade é também sentida pelos que aqui permanecem e que devemos tudo fazer para permitir atenuar esse sentimento - seja proporcionando condições para o retorno dos que assim o desejem, seja para reforçar a ligação com a terra mãe.
Minhas Senhoras e meus Senhores:
Reservemos também o dia de hoje para meditar sobre nós, como só uma Nação com a nossa História o pode fazer.
Mas não nos limitemos a recordar os períodos de ouro, lamentando que tal filão não tenha perdurado.
Tenhamos presente que tão importante como o nosso passado glorioso, é o que fazemos e o que pretendemos fazer no Mundo, no presente e no futuro.
Ousemos, hoje, ter uma visão própria, uma paixão inventiva, honrando com isso, de uma só vez, num só pensamento, tanto a memória de Camões, como as comunidades Portuguesas e as gerações do presente.
Vivemos num período de um certo desencanto social, político e europeu.
É um tempo de carências várias, de certo modo inesperadas, durante o qual temos sido confrontados com alterações de paradigmas do nosso modo de vida que não podem senão gerar desencanto e perplexidade.
Mas não nos devemos resignar.
Não nos podemos submeter a um surdo comodismo.
Devemos criar consensos, e numa cultura de compromisso, construir estratégias de futuro, recusando táticas momentâneas.
Festejamos este ano o quadragésimo aniversário do 25 de abril.
Os últimos quarenta anos dotaram-nos de algo que nunca havíamos tido verdadeiramente: democracia.
Através da democracia afirmamos o sufrágio universal e direto.
Construímos uma imprensa livre.
Erguemos um sistema de educação e de saúde que contribuíram decisivamente para uma vida em condições fundamentais de dignidade.
Dotámos os nossos jovens de instrumentos técnico-científicos e de um sentido cívico que lhes permitem destacar-se nos mais diversos domínios a nível internacional.
Mas devemos ser mais ambiciosos a todos os níveis; e não só num plano pessoal ou profissional mas também como povo ou nação.
Por isso, mais do que apelar, é necessário “conceber a esperança”, como recentemente afirmou o Senhor Presidente da República na Sessão de Encerramento da Conferência Internacional “Portugal na Balança da Europa e do Mundo”, no âmbito dos “Roteiros do Futuro”.
Portugal é, geneticamente, uma nação criativa.
Tal característica manifesta-se nos mais diversos domínios: do conhecimento científico à excelência literária, do justo destaque do papel internacional de individualidades portuguesas ao não menos relevante contributo de empresas inovadoras e do português anónimo, que espalham pelo mundo o nome de Portugal.
“Conceber a esperança” é já acreditar que é possível.
É querer mais.
Tenhamos consciência de que, com imaginação, trabalho e perseverança, os resultados surgirão.
Para tal devemos assegurar a todos uma efetiva igualdade de oportunidades.
E aqui reside, em boa parte, a delicadeza do presente.
Portugal precisa ainda de trilhar e consolidar caminho na criação de instituições inclusivas.
E precisa de o fazer de uma forma empenhada.
Com efeito, a igualdade de oportunidades, 40 anos depois da revolução de abril, só imperfeitamente foi conseguida.
Isto deve-se a aspetos vários, como a excessiva burocracia e outros de natureza sociológica e económica.
Fazer de Portugal um país realmente inclusivo, onde impere a igualdade de oportunidades em razão do mérito, onde as decisões públicas obedeçam a esse critério e não a outros de natureza protecionista: eis um passo fundamental para uma conceção da esperança.
É a este projeto que devemos entregar a nossa ousadia e o nosso esforço.
Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Portugal não passou incólume pela crise internacional.
Fomos duramente afetados e fizemos enormes esforços para a debelar.
Os madeirenses, em particular, têm participado solidariamente nesse esforço, ao mesmo tempo que pugnam pela correção dos desequilíbrios regionais específicos.
A Região Autónoma da Madeira celebrou um Programa de Ajustamento Económico e Financeiro com a República, visando corrigir deficiências estruturais próprias e, simultaneamente, contribuir para o esforço nacional.
A Região tem cumprido esse Programa, o que tem sido reconhecido por todos e estou certo de que as instituições competentes, no recato que se impõe, saberão tirar as devidas consequências deste nosso esforço.
E, no momento em que terminou a presença da troika no nosso país, entendo que é tempo de olhar mais atentamente para os problemas inerentes às nossas especificidades regionais.
A autonomia regional é uma das obras-primas de Abril: esta afirmou-se, ao longo dos últimos quarenta anos, exprimindo um sentimento da população no qual os conceitos de solidariedade nacional e coesão nacional não são dissociáveis.
Todavia, a Madeira continua a ser uma região ultra periférica, como aliás é reconhecido no texto dos tratados europeus.
Esta circunstância implicou a atribuição constitucional das várias dimensões da autonomia as quais permitiram que a Madeira começasse a conhecer uma aproximação efetiva dos seus níveis de desenvolvimento aos do continente.
Partindo então em desvantagem em termos socioeconómicos, a Madeira teve que enfrentar obstáculos como o da sua geomorfologia, contrariados através da construção de impressionantes infraestruturas que permitiram atenuar dificuldades naturais.
Algumas estão ainda por concluir, devido à escassez de recursos financeiros, situação que importa resolver em nome de princípios como o da continuidade territorial, que têmque ser afirmados em toda a sua plenitude, através de políticas públicas.
A este propósito, sublinho a situação especial em que se encontram os porto‑santenses, afetados duplamente na sua ultraperiferia; faço votos para que as suas dificuldades, nomeadamente em termos de transportes, possam ser minimizadas; penso, entre outros, na concretização do chamado bilhete corrido na ligação aérea Porto Santo-Funchal-Lisboa que se traduziria num importante sinal de afirmação do princípio da continuidade territorial.
Recordo igualmente a necessidade de ser divulgada a realidade social, económica e cultural, nomeadamente com a manutenção de um centro regional de produção da RTP, que produza informação e conteúdos próprios. Os cá residentes merecem e nunca poderemos esquecer que devemos isso aos nossos emigrantes.
Minhas Senhoras e meus Senhores:
A realização da verdadeira autonomia constitui uma afirmação de Portugal como um todo.
Não devemos, pois, recear nem renunciar ao incremento de uma efetiva autonomia regional, nos mais diversos domínios em que o solicita a nossa Constituição e a nossa consciência política quotidiana.
Foi sempre nos momentos de maior respeito pela diversidade que Portugal se mostrou mais pujante.
Contrariamente, os momentos históricos que mais abafaram essa mesma diversidade produziram isolamento, por vezes com breves resultados económico-financeiros, mas não sustentados a longo prazo, e largamente penalizadores da igualdade e, por que não dizê-lo, dos direitos humanos em geral.
A autonomia é, pois, ela mesma inclusiva.
Mas a Região debate-se também com várias dificuldades cuja resolução depende em boa parte de si mesma.
Deve, por isso, manter-se vigilante e atuante, sempre ciente dos fundamentos do seu estatuto autonómico.
Na verdade, a Madeira, como Portugal, nunca estão definitivamente cumpridos.
Sendo um inabalável defensor da autonomia regional, posso testemunhar que o seu incremento tem sido altamente favorável para o relacionamento com o Estado central e para o desenvolvimento da Região.
Devemos, consequentemente, caminhar no sentido do aprofundamento desta mesma autonomia, muito embora em certos domínios – como o fiscal – tenhamos que manter-nos bem conscientes de que tal só é possível no quadro da integração na República e mesmo na União Europeia.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em particular, tem sabido aproveitar a sua autonomia, como, por exemplo, com a legislação regional sobre proibição da venda de substâncias psicotrópicas, no que foi pioneira no todo nacional.
Mas estou convencido de que, sempre no quadro constitucional, é possível fazer ainda mais, em benefício dos madeirenses.
Que as nossas debilidades não nos impeçam de querer o futuro, de o olhar sem ser através da leitura das sombras projetadas nas nossas paredes e nos nossos muros.
Portugal e a Região Autónoma da Madeira têm muito do que se ocupar.
Da sua língua, a quinta mais falada no mundo, que leva a nossa cultura e a nossa excelente ciência a todos os cantos.
No contexto destas comemorações tive oportunidade de distinguir três jovens com um Prémio Literário.
Instituí este Prémio em homenagem à nossa língua e à importância dos mais jovens para a sua divulgação e para o aprofundamento da cultura portuguesa, num combate contra a iliteracia a que não podemos dar tréguas.
Como recentemente salientei por ocasião do I Simpósio Internacional sobre História, Cultura e Ciência na / da Madeira, saber é poder.
Poder para moldarmos o nosso futuro, poder para o fazermos melhor do que neste momento somos capazes de imaginar.
Apostar na nossa sociedade é aproximá-la o mais possível de uma comunidade, uma comunidade de valores, mas também uma comunidade de afetividade, à qual os nossos jovens queiram continuar a pertencer, e à qual regressam com alegria depois de cada viagem.
A nossa língua dá-nos igualmente uma centralidade atlântica que não podemos esquecer por um só segundo.
Da nossa língua vê-se o mar, como quase profeticamente afirmava Vergílio Ferreira.
O mar, que em boa hora redescobrimos, é um recurso e uma fonte de recursos, é certo, mas simultaneamente muito mais: é a nossa ligação ao mundo.
E coloca-nos numa circunstância internacional ímpar em termos geopolíticos, ambientais, económicos e culturais que não podemos desperdiçar.
O mar, aliás, é um elemento essencial da nossa relação com a Europa: a política marítima europeia já está inscrita na história da Europa como grande legado português, testemunhando a nossa “vocação euro-marítima”, que o Senhor Presidente da República recentemente invocou.
A Região Autónoma da Madeira tem um papel central no mar português.
As Ilhas Selvagens são o ponto mais meridional de Portugal e o símbolo de uma riqueza marítima e ambiental que temos orgulho em preservar e mostrar ao mundo.
E devemos tê-lo ainda mais do que até aqui.
O mar é o nosso sonho de ilhéus.
Façamos por cumpri-lo!
Minhas Senhoras e Meus Senhores
Não posso terminar sem duas últimas palavras.
Em primeiro lugar, para destacar os que neste dia, por minha proposta, que só a mim responsabiliza – mas não esqueço a colaboração do Senhor Presidente do Governo Regional, que agradeço -, foram agraciados pelo Senhor Presidente da República com a Ordem de Mérito:
A Escultora Maria Manuela Aranha da Conceição, vulto maior da cultura da nossa Região.
O seu percurso de vida é indissociável da arte, da cultura, da educação e do desporto da Madeira.
O Doutor Paulo Jorge dos Santos Gomes Oliveira, com um percurso de vida científico notável, tem contribuído decisivamente para a preservação do ecossistema madeirense, nomeadamente na defesa de várias espécies em perigo, entre elas as “freiras” da Madeira e do Bugio e o lobo-marinho, símbolo que figura no Brazão de Armas da Região.
A Fundação Cecília Zino, cujo labor quotidiano, ao longo de mais de quatro décadas, em prol de crianças desprotegidas, predominantemente do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 4 e os 18 anos, tem sido decisivo para minorar o sofrimento daqueles que representam as nossas gerações futuras.
Permitam-me, por último, que deixe uma sincera e justa palavra de homenagem à Diocese do Funchal, que comemora os seus 500 anos.
Durante as primeiras décadas da sua existência, esta detinha tal área de jurisdição sobre os territórios descobertos e a descobrir pelo Reino de Portugal, que chegou a ser a maior diocese do mundo.
Hoje, permanece como elemento essencial da nossa estrutura social e humana, e muito lhe devemos, em particular, num tempo em que os mais desfavorecidos são por vezes esquecidos.
Bem-haja, Senhor Bispo do Funchal, por tudo o que a Vossa/Nossa Diocese tem feito pela Região e pelos Madeirenses, ultrapassando em muito o seu “múnus”, dando corpo concreto ao valor da solidariedade.
Termino agradecendo a todos aqueles, civis e militares, que contribuíram para as comemorações do dia de hoje.
A todos os presentes, o meu muito obrigado.
Viva a Madeira, viva Portugal!