Celebra-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
A circunstância de comemorar este dia na Região Autónoma da Madeira deixa me, confesso, particularmente feliz.
Este sentimento contido advém de um circunstancialismo próprio que envolve o dia, o local e as funções que agora exerço.
Comemoramos o Dia de Portugal.
E nestes tempos adversos em que, por vezes, somos dominados pela amargura e pelo pessimismo, devemos recordar a gesta portuguesa.
Desde logo, os feitos daqueles que deram novos mundos ao Mundo, deixando-nos admirável obra, de Goa a Nampula, de Timor ao Recife, para percebermos que sempre fomos um povo resiliente, trabalhador e otimista, que soube ultrapassar os Adamastores da nossa história.
E gostaria de deixar como um dos exemplos a atitude de João Fernandes Vieira – cujo busto se encontra no Jardim Municipal desta cidade -, herói da restauração pernambucana que durante a luta se teria embrulhado na bandeira nacional para evitar que ela caísse em mãos inimigas.
Este dia é também o dia das Comunidades Portuguesas e não esqueçamos que mais de metade da nossa população vive no estrangeiro.
Sei do que falo. Também eu fiz parte da diáspora e pude constatar como, no estrangeiro, os Portugueses são apreciados e prestigiados pelo seu talento e capacidades, emprestando uma vida de esforço e trabalho a outros países, mas sempre com a Pátria no coração.
Eles constituem um motivo de orgulho para todos nós.
Os Madeirenses são igualmente parte significativa dessa diáspora, afirmando se como gente de partida e de procura com força criadora.
E todos conhecemos, de um forma ou de outra, familiares e amigos que partiram em busca de uma vida melhor e que, lá fora, nunca esqueceram a nossa terra, persistindo em manter vivos os laços que os ligam à Região e a Portugal.
Alguns conseguiram voltar – esporádica ou definitivamente – mas outros, porque a vida não o permitiu, deixaram o corpo noutros países.
Mas o espírito, esse, permanecerá sempre connosco.
E é a todos eles que este dia é também dedicado.
Minhas Senhoras e meus Senhores
Esta cerimónia decorre na Região desde 1993.
É ela também em si um elemento da nossa autonomia.
O anseio autonómico nasceu com o povoamento destas ilhas, com a necessidade de superar os inconvenientes derivados das distâncias dos centros de decisão e de poder.
A afinação e desenvolvimento autonómico remontam ao século XVII e o seu efeito foi animado por movimentos cíclicos normalmente associados a dificuldades económicas.
A ideia da autonomia terá atingido um dos seus pontos mais altos nos anos vinte do século passado, tornando-se preocupação dos intelectuais e políticos madeirenses.
Mas ela depressa foi esquecida com a Ditadura Militar e o Estado Novo, subjugada “pela noite e o silêncio”, para só emergir na Constituição de 1976, constituindo umas das mais bem sucedidas inovações operadas na sequência de Abril.
A autonomia regional encontra se, atualmente, consolidada, afirmando se a partir da autonomia político legislativa concedida constitucionalmente.
No atual desenho normativo, esta autonomia afirma se através da dimensão constitucional e dos estatutos político administrativos.
A autonomia regional não é, não pode ser, um fim em si mesmo mas um instrumento dinâmico que, entre outros objetivos, visa “o desenvolvimento económico-social e a promoção e a defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses” – como é afirmado na Constituição.
A complementaridade entre a unidade nacional e as autonomias regionais é reconhecida constitucionalmente quando se afirma que o Estado é unitário e respeita, na sua organização e funcionamento, o regime autonómico insular.
E é a dinâmica da autonomia regional que explica a profunda diferença entre o conceito autonómico da Constituição de 1976, espartilhando entre as “leis gerais da República” e o “interesse específico” e o que resultou da revisão constitucional de 2004 com a quebra de quase todas as restrições que afligiam o poder legislativo regional.
De vários lados oiço vozes que apregoam que se pode e deve ir mais além no aprofundamento da autonomia para defesa do bem-estar e do progresso das nossas populações, sem prejuízo dos superiores interesses nacionais, ou melhor, na conciliação da unidade do Estado com a diversidade autonómica.
Estarei atento, e mesmo empenhado, à evolução que nesta área se venha a registar pois entendo ser este o meu dever.
Com efeito, quero repetir a firme convicção que me anima: o Representante da República é simultaneamente um fator positivo da autonomia e um agente da unidade, da concórdia e da coesão nacional.
Na verdade, a outorga de poder legiferante às regiões autónomas exige, como o impõe também a nossa Constituição a nível nacional, a existência de um órgão externo fiscalizador dessa atividade.
A fixação desse órgão em cada uma das regiões permite uma imediação com as legítimas aspirações das regiões e os condicionalismos que as enformam, assegurando uma ponderação mais precisa dos valores e interesses em jogo no momento de decidir.
O Representante da República poderá igualmente contribuir a seu modo, através do exercício discreto mas firme da sua magistratura de influência, para, numa sã convivência democrática, encontrar as melhores soluções na conciliação dos interesses regionais com os nacionais.
Como afirmei no discurso da minha chegada, conto com a cooperação leal e franca de todos, nomeadamente com os órgãos de Governo próprio da Região e as forças sociais e políticas, para a tarefa que tenho pela frente, estando seguro que, na ilha que me viu nascer, onde sempre fui acarinhado, estimado e respeitado, saberão dar-me o apoio necessário para, no exercício das minhas funções, alcançar aquele desiderato.
Excelências:
Vivemos tempos em que as dificuldades tentam dominar tudo e todos, impedindo-nos, por vezes, de vislumbrar a substância das coisas.
Também na nossa Região a atual crise agudizou-se com o 20 de Fevereiro, os fogos e, vejam bem, a nuvem islandesa que afetou o turismo fazendo do ano transato um annus horribilis para a Madeira.
Mas, como disse o Senhor Presidente da República, justamente há um ano, no discurso que fez em Faro, na cerimónia comemorativa do 10 de junho, “a forma admirável como os Portugueses se ergueram para ajudar a Madeira, na sequência da trágica intempérie de 20 de fevereiro passado, é a prova mais forte de que somos, como sempre fomos, uma nação solidária. Quando uma das parcelas do território é atingida pelo infortúnio, todas as outras acorrem em seu auxílio. O apoio que demos à Madeira foi uma comovente lição de portugalidade.
No dia em que também se comemora o Poeta devemos beber das suas palavras a esperança e o otimismo, termos para os “trabalhos ledo o rosto” e, num esforço coletivo, ultrapassarmos os cabos das tormentas.
E tenho, para mim, que devemos ter sempre presentes alguns valores que nos definem na nossa identidade e contribuem para a nossa evolução.
A educação e a cultura, o empreendedorismo e a solidariedade são portos de abrigo seguros a partir dos quais as naus dos nossos dias podem partir em busca da boa-esperança.
E são esses valores que hoje simbolizamos através das personalidades que Sua Excelência o Presidente da República, sob minha proposta, decidiu condecorar; devo dizer em abono da verdade que a minha escolha beneficiou da preciosa colaboração de Sua Excelência o Presidente do Governo Regional a quem quero agradecer por isso.
A educação e cultura, representadas pela Exma. Sra. Dra. Margarida Morna, exemplo vivo de dedicação à causa do ensino, através de quem gerações e gerações de madeirenses puderam aprender e obter a ferramenta mais importante das suas vidas – a educação – dimensão que deve ser cada vez mais assumida como desígnio nacional, pedra essencial do nosso desenvolvimento e afirmação no Mundo.
Eu sou testemunho do exemplo que a Dra. Margarida Morna representa – fui seu aluno nos fins dos anos cinquenta -, e por isso peço que compreendam a emoção com que vivo este momento.
O empreendedorismo, aqui traduzido no Exmo. Sr. António Nunes da Nóbrega, que nunca se deixou abalar pelas adversidades da vida, apesar de saber que, depois de ultrapassar uma montanha, outras e outras surgiriam mas que, quando há ânimo e perseverança, todas são transponíveis.
A solidariedade, sem a qual não há sociedade justa, aqui simbolizada na Caritas Diocesana do Funchal e na Delegação da Madeira da Cruz Vermelha Portuguesa que, sempre e não apenas na sequência do 20 de Fevereiro, souberam estender a mão a quem mais necessitava, contribuindo para a recuperação de pessoas e bens.
Nestas instituições devemos rever os valores de solidariedade que devem estar presentes não apenas institucionalmente mas também no coração e na vivência quotidiana de cada um de nós. A coesão nacional tem de ser também coesão social.
Ilustres condecorados: V. Exas. representam, para todos nós, os novos barões assinalados.
Convidei igualmente para estarem aqui presentes todos aqueles que foram condecorados no dia 10 de Junho nesta Região depois de 1993.
Verifico, com alegria, que a maioria pôde comparecer.
Habituei-me a ver, em todos vós, um exemplo pelo trabalho, constância, rigor, discrição e empenho que dedicaram às vossas vidas.
Estou seguro que, através dos valores que simbolizam, saberemos tirar lições para a superação dos tempos de hoje que reclamam unidade e esforço plural, mas que possibilitam também um projeto de esperança sedimentado num sentimento de comunhão e solidariedade, que nos leve a navegar num mar mais tranquilo e sereno.
Quero agradecer aos que compareceram nesta cerimónia e aos que emprestaram com o seu talento e arte o brilho que esta celebração merece. A todos, o meu mais profundo obrigado.