Sessão comemorativa do “40º aniversário do 25 Abril”

“Mensagem proferida por Sua Excelência o Representante da República , na sessão comemorativa, do “40º aniversário do 25 Abril”.

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Celebramos hoje 40 anos da “Revolução de abril”, aquele que considero ser um momento verdadeiramente fundacional do nosso país.

Há quarenta anos, os “capitães de abril” puseram fim a um longo período de ditadura, trazendo-nos a democracia e a liberdade.

Ao festejarmos o “25 de Abril”, comemoramos, antes de tudo, a vitória da liberdade sobre a ditadura, o triunfo da democracia sobre o autoritarismo, a devolução da voz ao Povo.

Com efeito, e é demasiado relevante para o olvidarmos, Portugal era bem outro em todos os aspetos, e tantos deles elementares, como, por exemplo, o acesso à saúde, à educação e a igualdade de direitos.

Com a revolução de abril, pudemos sonhar um País novo, verdadeiramente justo e solidário, onde as desigualdades económicas e sociais fossem minimizadas.

Mas, como sabem, nem sempre foi fácil viver em liberdade e democracia, repondo direitos e valores afastados de nós por tanto tempo.

Nos momentos difíceis que se seguiram, sob a ameaça do regresso ao obscurantismo e o espectro de uma guerra civil, mais uma vez, os militares de abril souberam, com inteligência e tato, militar mas também político, reencaminhar o País no sentido da pacificação e da concretização de um Estado de direito democrático.

E, imbuídos de um espírito de missão patriótica, estes arquitetos de um tempo novo não quiseram o poder para si, mas antes o entregaram à sociedade civil.

E, com desapego, estavam dispostos a dar as suas vidas para que outras não continuassem a perder-se em vão.

Por tudo isto, os militares de abril merecem de todos nós reconhecimento e gratidão, pois devolveram-nos a nossa dignidade de cidadãos, de mulheres e homens livres e possibilitaram ao nosso País a sua integração de pleno direito no concerto das Nações.

Penso interpretar o pensamento de todos, ao saudar com respeito um dos homens de abril, o senhor coronel Faria Paulino – (que se dispôs a falar, sobretudo aos jovens, da sua experiência de vida) – e o senhor General Marco Serronha, Comandante Operacional e da Zona militar da Madeira, como lídimo representante das nossas Forças Armadas. 

Um dos fatores mais importantes da nossa afirmação democrática foi sem dúvida a organização de eleições livres, a primeira para a Assembleia Constituinte.

As eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, encarregue de aprovar a nova Constituição – que viria a ser a atual Constituição de 1976 – foram um momento verdadeiramente histórico: estavam em causa as primeiras eleições de sempre em que houve sufrágio universal e direto: todos os homens e mulheres com mais de 18 anos, independentemente da sua convicção política, do seu grau de instrução, da sua proveniência, de terem ou não bens, trabalho e salário, puderam votar.

Nunca é demais assinalar este momento.

Sem essa liberdade, não teria havido uma Assembleia Constituinte plural, que foi provavelmente até hoje o órgão mais representativo das várias profissões e convicções presentes na sociedade portuguesa.

E foi com base nessa representatividade que a Constituição de 1976 assumiu um caráter compromissório, em resultado de entendimentos entre as várias forças políticas, assim se estabelecendo os seus pilares essenciais entre os quais se destacam:

-            A afirmação da dignidade humana como valor estruturante da Constituição;

-            A organização do Estado de direito democrático com base na descentralização política e no respeito pelas autonomias;

-            Um sistema evoluído de direitos fundamentais;

-            Um sistema de governo verdadeiramente caracterizado pela separação de poderes, no qual os titulares do poder político são democraticamente escolhidos, e os tribunais são realmente independentes;

-            Um sistema de fiscalização da constitucionalidade das leis, garante de que é o legislador que está ao serviço da Constituição e não esta que se verga aos caprichos daquele;

-            Uma nova relação entre os cidadãos e a administração pública, mais transparente e não arbitrária.

Também aqui, na Região Autónoma da Madeira, a alteração do regime político teve um impacto tremendo.

Até 1976, Madeira e Açores eram distritos autónomos, cujos governadores respondiam diretamente ao Ministério do Interior.

Havia alguma descentralização, mas meramente administrativa – quando não apenas ilusória -, e as finanças regionais estavam sob controlo central.

Para a Madeira e os Açores, o 25 de Abril significou, deste ponto de vista, a concretização de uma efetiva autonomia política.

A Constituição de 1976 passou a consagrar as autonomias político‑legislativas das duas regiões, Madeira e Açores, permitindo que as populações regionais, através dos respetivos parlamentos, passassem a tomar opções políticas próprias.

A autonomia ganhou o seu sentido mais substancial, dando resposta à concretização de antigas aspirações das populações insulares que tinham sido praticamente sufocadas pelo Estado Novo.

As Regiões foram dotadas de órgãos de governo próprios, passando a gozar de ampla autonomia legislativa e financeira e com reforço acentuado da autonomia administrativa local.

Foi também esta Constituição que permitiu abrir caminho à adesão de Portugal às instituições internacionais fundamentais.

Desde logo, ao Conselho da Europa, do qual Portugal só pôde ser membro depois da aprovação da Constituição de 1976, dadas as exigências aos seus membros em matéria de regime democrático 

Com a adesão ao sistema da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Portugal passou a fazer parte do grupo de Estados mais avançados no domínio da proteção e respeito pelos direitos humanos, o que representou um decisivo ganho civilizacional.

Mais: o 25 de Abril e a Constituição de 1976 permitiram igualmente a adesão às Comunidades Europeias, atendendo ao respeito pelo princípio democrático por estas estabelecido, que até então impedia a participação portuguesa.

A então Comunidade Económica Europeia, que deu entretanto lugar à União Europeia, foi decisiva também para as regiões autónomas, que passaram a ter direto acesso a fundos comunitários.

Igualmente importante é a representação das nossas Regiões Autónomas no Comité das Regiões, no seio da própria União Europeia, um órgão onde se fazem ouvir diretamente as autonomias junto das instituições europeias.

Tudo isto traduziu-se em desenvolvimento socioeconómico da nossa Região.

Como sabe, antes do 25 de Abril, havia uma parte substancial da população que vivia em condições paupérrimas, sem facilidade de comunicações – demorava‑se quase um dia a chegar da costa norte ao Funchal…‑ e sem acesso a condições que hoje temos como básicas como água, eletricidade, saneamento ou saúde.

Existiam regimes jurídicos inusitados como a colonia, um regime feudal, contrário ao princípio da dignidade humana na exploração da terra.

Foi apenas na sequência do Decreto Regional n.º 13/77/M, de 18 de outubro, que esta figura seria efetivamente abolida, dando aos colonos a possibilidade de remir as respetivas terras.

Não quero fazer um discurso geracional saudosista.

Confio nas novas gerações e sei que o futuro pode ser sempre melhor.

Falando para a nossa juventude, gostaria de enfatizar o investimento que foi feito num novo modelo educacional, que promoveu a mobilidade social, a consciência de cidadania e a excelência técnica, científica e humana dos nossos jovens.

É preciso, hoje, sublinhar a importância da manutenção deste percurso para que Portugal não regrida e acompanhe lado a lado o progresso e a evolução.

A aposta na educação dos últimos 40 anos contribuiu decisivamente para a mudança do retrato do país.

Mas é importante termos consciência da nossa História, das nossas conquistas e dos nossos erros para nos aperfeiçoarmos no futuro. 

Se, para as gerações mais novas, falar de liberdade é tão natural como falar do ar que respiramos, é importante aprendermos com as lições da História para evitarmos repetir o passado quando ele nos ensombra.

Para os jovens e com eles, devemos construir um país que não os force a partir por falta de condições para se realizarem, aproveitando o legado das gerações que se empenharam em deixar-lhes um país melhor e motivando-os para, também eles, procederem de igual modo relativamente às gerações que lhes sucedam.

Os mais antigos transportam a memória e transmitem-na aos mais novos.

Mas é sobretudo dos mais novos a energia criativa.

Se os primeiros podem explicar o aparecimento da autonomia regional e o seu significado, é aos segundos, os mais novos, que cabe descobrir o sentido futuro dessa mesma autonomia.

Pois a autonomia não é simplesmente um conjunto existente de poderes, mas também um modo de vida em comunidade, um certo sentido de liberdade e de igualdade.

Amanhã, caber-vos-á dar destino a esse sentido, garantindo que, anos depois, algo haverá para transmitir aos que vos sucederem.

Também por isso, num momento em que se aproxima um novo conjunto de ciclos eleitorais, não quero terminar sem um renovado apelo à participação democrática de todos.

Quando vejo, por vezes, enaltecer a abstenção ou o voto em branco, penso que corremos o risco de gradualmente irmos perdendo aquele direito, quando o que importa, sobretudo nos tempos difíceis e de crise, é sermos donos do nosso destino, defendendo com o nosso voto os nossos ideais e as soluções que nos parecem mais justas e adequadas.

Vou terminar.

Hoje vivemos em condições totalmente diferentes: políticas, económicas, sociais, culturais; temos, enfim, a consciência dos direitos humanos.

As dificuldades por que hoje passamos não têm comparação com as anteriores à ditadura; dou-lhes só um exemplo: a esperança de vida subiu 13 anos desde o 25 de Abril.

Porém, quando olho para o desemprego no meu País, sobretudo o de longa duração e o dos mais jovens e qualificados, quando observo situações de pobreza, quando nos são pedidos sacrifícios que nem sempre os sentimos como justos e equitativos, compreendo que alguma descrença possa assomar e alguma dúvida venha ensombrar este dia.

Penso, contudo, que a recordação dos valores que animaram os autores da nossa Revolução de abril, a sua generosidade e o seu desapego, devem servir de fonte de inspiração para que se acuda, agora que aparecem sinais de retoma, a corrigir aquelas situações que deslustram a nossa democracia.

Assim se poderá afirmar enfim que se cumpriu o “dia inicial, inteiro e limpo”.

 Muito obrigado pela vossa presença!”